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TCU vê irregularidades na obra da refinaria de Bacabeira, anunciada com pompa em 2010

Refinaria Premium I em Bacabeira,
seria a maior refinaria do Brasil, mas construção foi paralisada
BACABEIRA (MA) – No início de 2010, o então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a governadora
Roseana Sarney, o pai dela, senador José Sarney (PMDB-AP) e o ministro de Minas
e Energia, Edison Lobão, fizeram festa, com direito a discurso, para o
lançamento da pedra fundamental da Refinaria Premium I em Bacabeira, a 60 km de
São Luis. Seria a maior refinaria do Brasil, com capacidade de produzir 600 mil
barris/dia, empregaria 25 mil pessoas no ápice das obras e deveria entrar em
pleno funcionamento em 2016. Quatro anos depois, o que se vê é a paralisação da
obra, que somente em terraplanagem, consumiu R$ 583 milhões, além de mais R$ 1
bilhão em projetos, treinamentos, transporte, estudos ambientais. Todo o
montante foi pago pela Petrobras.
O custo total da refinaria está estimado em R$ 38
bilhões, mas a própria empresa afirmou, em nota enviada ao GLOBO, que “somente
após a conclusão da etapa de consulta ao mercado será possível mensurar o custo
total da refinaria”. A previsão, agora, é que ela entre em operação em 2018.
Apesar da festa no lançamento da pedra fundamental,
nem projeto básico havia na ocasião. De prioritária, a futura refinaria entrou
num limbo. No Plano de Negócios para o quadriênio 2013/2017, o empreendimento
consta apenas na carteira de fase de projeto. Um relatório de fiscalização do
Tribunal de Contas da União (TCU), de abril do ano passado, apontou indícios
graves de irregularidade na terraplanagem — a única obra que teve início, mas
que foi paralisada sem ser
concluída, conforme relatório do tribunal. De acordo com os fiscais do TCU,
somente em 1º de novembro de 2010 — oito meses depois da festa com Lula e
companhia — e já com a terraplanagem em andamento, é que foi assinado um
contrato para elaboração do projeto básico da Refinaria.
A pressa da Petrobras em dar visibilidade a uma
refinaria que não tinha nem projeto básico ocasionou, de acordo com relatório
do TCU, um dano de R$ 84,9 milhões. Diz um trecho do documento: “Entende-se que
o contrato não poderia ter sido assinado sem a liberação das áreas para o
consórcio construtor. A consequência disso foi um dano de R$ 84,9 milhões”. No
entendimento dos técnicos do tribunal, a petroleira foi responsável pelo atraso
na liberação do terreno e demorou a emitir ordens de serviço para que a
terraplanagem começasse. O valor do dano contempla uma ação extrajudicial e um
aditivo.
Os auditores do TCU apontaram que houve mudanças no
leiaute do projeto e, com isso, toda a obra foi comprometida. “A gênese de todo
o problema parece estar na decisão de iniciar-se uma obra desse porte sem um
planejamento adequado, passível de toda sorte de modificações. Até esta data (3
de abril de 2013), passados cinco anos dos primeiros estudos, ainda não se tem
um projeto completamente definido para a Premium I”, anotaram os auditores.
PROFUSÃO DE ADITIVOS
Segundo a vistoria do TCU, foram feitas alterações
que transformaram completamente o projeto. “Uma importante alteração foi o
aumento considerável do número de tanques. Ao que consta, a tancagem planejada
inicialmente para situar-se na zona portuária, por restrições de espaço ou
mesmo por mudança de concepção do projeto, localizar-se-á na área da
refinaria”, observaram os técnicos, que apontaram outras mudanças
significativas no plano original. “Essas modificações impactaram o contrato de
terraplanagem, contribuindo, certamente, para a profusão de aditivos”,
escreveram os auditores.
A terraplanagem foi contratada em 14 de julho de
2010 com o Consórcio GSF, formado pelas empresas Galvão Engenharia, Serveng
Civilsan e Fidens Engenharia, com valor inicial de R$ 711 milhões. Em abril do ano
passado, o contrato foi interrompido, com 80% das obras concluídas e o
pagamento de R$ 583 milhões. Os auditores verificaram que, entre esses
aditivos, haviam vários que cancelavam determinado valor, com mudanças no
quantitativo dos trabalhos, mas, em seguida, um novo aditivo aumentava o mesmo
valor, inclusive com centavos, em outro tipo de serviço.
Os 13 aditivos feitos ao contrato da terraplanagem
acarretaram um acréscimo de R$ 14,2 milhões na obra. No total, foram realizadas
14 modificações de valores e mais uma transação extrajudicial entre as partes
no valor de R$ 73,9 milhões. A terraplanagem também precisou contar com um trabalho
extra por causa de erosão no solo e, para tratar do problema, a Petrobras
contratou outra empresa a Cristal Engenharia, por mais R$ 7,5 milhões. A auditoria
anotou: “ou seja, a Petrobras celebrou outro contrato, destinado a manter parte
dos trabalhos de terraplanagem já desenvolvidos. Todavia, foi constatado que
este novo ajuste não prevê a conclusão de algumas estruturas inacabadas.”
Oito dos aditivos realizados pela Petrobras no
contrato modificavam, e muito, o tipo de serviço a ser realizado, mas, no final,
os valores cancelados e acrescidos acabaram praticamente os mesmos. Os técnicos
demonstraram que “embora se compreenda que uma obra de terraplanagem necessite
de ajustes nas quantidades estimadas inicialmente, a dimensão desses ajustes
reflete a má qualidade do projeto. Não se pode aceitar, por exemplo, uma
redução da ordem de 96% em um quantitativo”.
A Petrobras informou que os aditivos ocorreram “em
consequência do elevado grau de detalhamento adotado pela empresa na
contratação, com mais de 144 itens na planilha de preços unitários”. Sobre a
concorrência para a construção da refinaria, a assessoria da petroleira
declarou que “os pacotes de contratação estão em ajustes finais para serem
lançados no mercado. Em março já foram emitidos convites para terceirização dos
serviços de geração de hidrogênio e de tratamento de água e efluentes. Os
projetos passaram por adequações e estão aderentes às métricas internacionais”.
Sonhos viraram dívidas e
prejuízos para comerciantes de Bacabeira
Promessa de criação de 25 mil empregos levou a investimento
em hotéis e alojamentos hoje vazios
Inácio Tales, proprietário de uma loja de
construção, amarga prejuízos com a paralisação da obra. Chico de Gois / Agência
O Globo
BACABEIRA (MA) — A perspectiva da instalação de uma refinaria em
Bacabeira alimentou a esperança de dias melhores para muita gente na cidade.
Com a propagada criação de até 25 mil empregos no período de pico da obra, e de
1,5 mil para a manutenção daquela que seria a maior refinaria do país, muita
gente contraiu empréstimo para investir e aproveitar os ventos da bonança que
foram anunciados por Lula, Dilma, Roseana, Sarney e Lobão em 2010. O que sobrou
dos sonhos foram as dívidas e o prejuízo.
Na rodovia em frente a obra há dois hotéis — um já
prontinho, à espera de clientes, e outro, maior, com seis andares levantados e
inacabados, e que tem como frequentadores vacas, cavalos e cachorros.
O local virou fonte de especulação entre os
bacabenses. Na cidade, há informações desencontradas sobre o estabelecimento.
Há quem diga que ele pertence ao senador Lobão Filho (PMDB-MA), filho do
ministro de Minas e Energia e que será candidato ao governo do Estado.
Outros garantem que o verdadeiro dono do
empreendimento é Ernesto Vieira de Carvalho Neto, um suplente de deputado que é
acusado de aplicar um golpe de R$ 70 milhões na Caixa Econômica Federal por
meio de um bilhete falso da Megasena.
Lobão Filho se diverte com os boatos. Embora entre
suas empresas haja uma de administração hoteleira, ele nega que o
hotel-fantasma seja dele:
— Não é meu não. Parece que é de um grupo da Bahia
e ouvi dizer que a Petrobras garantiria um mínimo de hospedagem para o
empreendimento — afirmou ele ao GLOBO.
O outro hotel em frente ao que poderá ser a maior
refinaria do Brasil é o Premium I e foi inaugurado em 2013, quando ainda havia
funcionários trabalhando na obra. Sua proprietária, Deise Kappe, disse que nunca
hospedou ninguém — só serviu refeição para os trabalhadores. O empreendimento
tem oito quartos. O prédio está em boas condições, à espera de dias melhores:
— Disseram que vão retomar as obras neste ano.
Vamos esperar — afirmou ela, que tem outros seis alojamentos na cidade, com
capacidade para 200 pessoas, e que está sobrevivendo graças a outra obra do
governo federal, a duplicação da BR-153, cujas obras começaram no ano passado
também.
PERDAS DE R$ 2 MILHÕES
Em Bacabeira, um conjunto de 30 quartos espera por
comprador. Uma placa na frente do estabelecimento disponibiliza dois números de
celulares para um eventual empreendedor. Nunca recebeu ninguém. O proprietário,
Clóvis Procópio Pereira, disse que fez outros investimentos à espera da
refinaria. No total, gastou R$ 2 milhões, entre empréstimos e venda de fazendas
e casas.
— Tenho 200 camas que estão estragando e um quarto
cheio de ar-condicionado, que estão enferrujando. Fiz vários alojamentos e
tomei prejuízo. Achei que podia confiar em quem mandava no país — lastimou.
Inácio Tales, proprietário de uma loja de material
de construção, lamentou a paralisação da obra. Ele lembra que, durante a
terraplanagem, suas vendas aumentaram e muitos comerciantes venderam bem mais
do que o habitual. Mas o custo de vida também aumentou, assim como a
especulação imobiliária. Agora, a esperança cedeu lugar à incredulidade.
— Se voltar, vai melhorar muito. Mas não sabemos se
vão retomar a obra — disse ele.

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