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PCdoB fará revolução burguesa no Maranhão com 300 anos de atraso, diz comunista Flávio Dino

FERNANDO RODRIGUES

Folha/uol

Advogado, ex-juiz e ex-deputado federal, Dino tem 46 anos. Quando tomar
posse em 1º de janeiro de 2015, vai encerrar cerca de 50 anos de hegemonia de
um grupo político no Maranhão. Desde quando José Sarney, hoje com 84 anos, foi
eleito para governar o Estado, em 1965, exceto por breves períodos o comando
local sempre esteve com algum sarneysista.

Flávio Dino receberá o governo das mãos de Roseana Sarney, filha de
Sarney. Ele afirma que o comunismo professado pelo PC do B é usado mais como
uma referência por causa do significado etimológico do termo.

“O nome é bonito. Corresponde a uma história que nós temos muito
orgulho. Carrega em si a origem etimológica de comunhão, de comunidade, de
comum, de coisas boas. O comunismo foi muito estigmatizado no mundo por desacertos
de outros países. Defendo o nome e seu uso agora, com flexibilidade,
compreendendo que a sociedade hoje não pode se estruturar como se imaginava há
100 ou 50 anos”.

Para o governador eleito, as administrações das últimas décadas no
Maranhão tiveram “medo do capitalismo” porque haveria nesse sistema a
“concorrência, o livre mercado, o fim a privilégios de castas ou de estamentos
que explicavam esse poder absoluto que eles [família Sarney e seus aliados]
ostentavam durante esse período”.

Dino rejeita a ideia de que será o “Deng Xiaoping do Maranhão”, o grande
reformador comunista da China atual. Mas diz apreciar a frase sempre atribuída
ao líder chinês que adotou políticas próximas às do mundo capitalista para
tirar o país da miséria: “Não importa a cor do gato. Importa que ele mate o
rato”.

Único governador eleito pelo PC do B até hoje, Dino declara não
pretender fazer uma devassa nas administrações anteriores do Estado. Mas afirma
que abrirá ao máximo os negócios do Maranhão a um sistema mais transparente,
que mostrará tudo o que se passou e como será a administração de 2015 em
diante.

Sem prometer de maneira específica, disse que espera elevar o IDH do
Maranhão (hoje o 2º pior entre os Estados) para algo próximo da colocação do
PIB do Estado (o 16º do país).

Ao comentar o voto de José Sarney no segundo turno da eleição
presidencial -em Aécio Neves (PSDB), como mostraram imagens da TV Globo no
Amapá, embora Sarney negue-, Dino disse que a atitude revela o ressentimento de
seu adversário por ter sido derrotado politicamente no Maranhão. “Uma espécie
de retaliação íntima, pessoal, a isso que ele atribui à falta de apoio da
presidenta Dilma”.

A seguir, trechos da entrevista:

Folha/UOL – O sr. é filiado ao PC do B, um aliado histórico e fiel ao PT
no plano federal. Mas nesta eleição o PT não o apoiou. O que aconteceu?

Flávio Dino – O PT do Maranhão segue a
orientação nacional de privilegiar a aliança com o PMDB. Muitas lideranças
importantes do PMDB no plano nacional são oriundas do Maranhão, e isso faz com
que haja essa aliança preferencial. Discordo profundamente disso, mas
compreendo que é uma contingência dessa aliança nacional. Espero que o
resultado eleitoral, tão eloquente, tão claro, mostre a necessidade da revisão
dessa política.

Ficou algum ruído entre o PT e o sr.?

No Maranhão a militância do PT, a base do PT, fez nossa campanha. As
principais lideranças do PT no Estado frequentaram o nosso palanque. Agora, no
plano nacional, esperamos que haja uma reflexão do PT, uma vez que o resultado
eleitoral, o segundo mais expressivo do país, mostra que há uma desatualização
dessa visão acerca do Maranhão. E que é muito mais coerente para um partido que
defende o progresso, a justiça social, estar aliado conosco do que ser
sustentação de um sistema que acabou por ruir. Que representa o coronelismo à
moda dos anos 50.

O sr. se refere às pessoas ligadas à família de José Sarney?

Sim. Como todo o Brasil sabe, é a família e o grupo político constituído
a partir desse núcleo familiar que hegemonizou a política maranhense nas
últimas cinco décadas.

O seu partido teve apoio no Maranhão do PSDB, de Aécio Neves, do PP, de
Paulo Maluf, e de vários outros. Também não foi uma candidatura, vamos dizer,
pura. Que tipo de influência isso teve na sua eleição e terá no seu governo?

Pureza absoluta, nesses termos, é algo metafísico.

Estamos lidando com processos históricos. Procuramos fazer uma aliança
com os parceiros que concordam com o desafio de virar a página do coronelismo
no Maranhão e com um programa. Apresentamos um programa baseado na noção da
honestidade, transparência, romper com o patrimonialismo, enfrentar o ciclo de
corrupção na política maranhense e melhorar a vida das pessoas. Garantir que
esse dinheiro público, hoje apropriado por pequenos grupos, possa se traduzir
em políticas sociais para todos. Fizemos uma aliança plural, ampla e
democrática, que era necessária para dar esse salto adiante.

O PC do B tem nos seus estatutos recomendações de acordo com a ideologia
comunista. O sr. acha necessário atualizar o programa do PC do B ou ele ainda
serve agora no século 21?

Estamos permanentemente atualizando o nosso programa. Compreendemos que
cada situação concreta exige uma análise desta situação e políticas concretas
para esse momento. O PC do B já fez grandes revisões nas últimas duas décadas e
vem buscando responder aos desafios do Brasil.

Tem algum trecho do estatuto e do programa do partido que mereceria
atualização no momento?

Estamos sempre buscando ajustar a nossa tática política à realidade da
América Latina no século 21. Hoje temos uma ênfase na questão nacional,
procuramos colocar o desenvolvimento do país como uma premissa para o nosso
compromisso com a justiça social. O tensionamento entre a questão nacional e a
questão social é o ponto mais nodal que enfrentamos permanentemente na
atualização de um partido que é o mais antigo do Brasil. Mas tem uma grande
importância porque acreditamos no pluralismo e precisamos que haja um partido
com essa configuração para qualificar a vida democrática e defender os
interesses dos trabalhadores.

O sr. fala em “defender a vida democrática”. Seu partido defende a
ideologia do comunismo. Existe aí uma contradição? O comunismo é a meta final,
ainda hoje, do PC do B para o Brasil?

O comunismo é a nossa referência de luta. Acreditamos que é preciso haver
um regime no qual a humanidade usufrua da riqueza com mais justiça social. É
uma referência, para alguns absolutamente utópica, uma referência política.
Buscamos chegar a esse sistema de maior comunhão das riquezas e das
oportunidades. Diferente do que se debatia no nosso partido nos anos 50, nos
anos 60, ninguém cogita, nessa quadra histórica, que vá haver a ditatura do
proletariado. Até porque o próprio proletariado, cumprindo aquilo que o [Karl]
Marx [1818-1883] dizia no “Manifesto [Comunista”], segundo o qual tudo que
era sólido se desmanchava no ar, sofreu uma grande revisão nas últimas décadas
pelo incremento do setor de serviço e a desterritorialização das plantas
produtivas.

Temos novos marcos no mundo do trabalho que levam também ao ajustamento
da tática política. Agora, é importante um partido que acredite que o
capitalismo não é o fim da história. O regime de absoluta primazia do capital
significa negação dos sonhos que impulsionam a humanidade para frente.

Por que não mudar o nome do partido?

Porque o nome é bonito. O nome corresponde a uma história da qual temos
muito orgulho. E o nome carrega em si a origem etimológica de comunhão, de
comunidade, de comum, de coisas boas. É um sistema de homens e mulheres comuns
que participam da vida política, que defendem a maior participação das pessoas
nas decisões da comunidade e que defendem a comunhão mais justa da riqueza. O
comunismo tem essa origem etimológica. Foi muito estigmatizado no mundo por
desacertos de outros países, de outras experiências e, no Brasil, por conta da
ditadura. Mas defendo o nome e uso o nome. Acho que o nome corresponde
exatamente à defesa de uma tradição. Agora, com flexibilidade: compreendendo
que a sociedade hoje não pode se estruturar como se imaginava há 100 ou 50 anos.

E o sr. vê vantagens também no sistema de livre mercado, de competição?

Nós precisamos fazer isso no Brasil e no caso do Maranhão isso é muito
mais evidente. Quando me perguntavam se havia medo do comunismo [no Maranhão],
eu dizia que o sistema que lá estava tinha mais medo do capitalismo, porque era
a concorrência, o livre mercado, o fim ao privilégio de castas ou de estamentos
que explicava esse poder absoluto que eles ostentavam durante esse período.
Temos que incorporar valores e experiências de outros países, e temos exemplos
no mundo. O que permitiu [virar] essa grande potência econômica que é a China
foi a convivência entre uma visão clássica com outras formas de organização do
mercado.

O sr. vai ser o Deng Xiaoping [1904-1997, criador do chamado “socialismo
de mercado”] do Maranhão?

Não tenho essa pretensão. Mas o Deng Xiaoping tem uma frase que eu cito
sempre, genial, que diz: “Não importa a cor do gato, importa que ele mate o
rato”. É um provérbio Chinês que se aplica bem à realidade brasileira.

O sr. está dizendo, em outras palavras, que o PC do B vai implantar o
capitalismo no Maranhão, é isso?

Esse é o nosso desafio. Fazer uma revolução democrática burguesa, com
300 anos de defasagem. Ou seja, garantir o cumprimento da lei, dos contratos,
incentivar os investidores privados. Novas formas de organização do Estado que
contemplem a participação popular, mas que permitam também o desenvolvimento
daqueles que querem empreender, investir, que venham para o Maranhão, acreditem
no nosso porto, na nossa infraestrutura. Qualificar os recursos humanos.
Desenvolver o Maranhão como o PC do B defende desenvolver o Brasil, de modo
soberano, independente, com ciência, tecnologia. Não há incoerência entre
aquilo que vamos fazer no Maranhão e aquilo que o meu partido acredita.

Como é que o sr. descreveria hoje a relação histórica da família Sarney
com o Maranhão?

O Victor Nunes Leal [1914-1985] escreveu um livro muito conhecido,
alguns colocam inclusive entre os dez mais importantes da ciência política:
“Coronelismo, enxada e voto”. Escreveu em 1949. Tenho a impressão que o senador
José Sarney leu esse livro, gostou muito e resolveu aplicar no Maranhão. É
exatamente esse sistema que nós temos lá. O sistema de formação de clientelas,
de negação da cidadania. Estamos procurando superar esse momento. Afirmar os
valores da República, a separação do público com a esfera privada, garantir que
todos tenham oportunidades. Garantir o cumprimento do princípio da legalidade.
Isso é absolutamente imprescindível para o Maranhão no que se refere a compras
governamentais, contratos, obras e contratação de servidores públicos.
Princípio da impessoalidade, valorização do mérito de cada um. São esses
desafios que estão postos sobre a mesa.

É costume dizer que a família de José Sarney dominou o Estado por cinco
décadas. O sr. diria que foram de fato cinco décadas ou houve alguns espasmos
de oposição?

Os únicos hiatos foram o fim do governo do José Reinaldo Tavares [PSB],
porque José Reinaldo foi eleito [em 2002] com apoio deles e depois no outro
governo…

Rompeu…

…No fim de 2005 rompeu. Então nós tivemos um ano e meio mais ou menos
desse governo independente do sistema de poder que ele representava. E os dois
anos [2007-2009] do Jackson Lago [PDT, 1934-2011], cassado pelo Tribunal
Superior Eleitoral numa ação movida pela então senadora Roseana Sarney. Foram
três ou quatro anos.

De 1966 até agora?

É, José Sarney, a partir da eleição dele como governador [em 1965; posse
em 1966]. A partir daí ele exerceu níveis diferenciados de influência, mais
alta ou mais baixa, mas sempre uma grande influência. Até afirmar o domínio
absoluto exatamente pela capacidade de cumprir uma das leis do coronelismo, que
é se adequar às mudanças da política nacional para manter o poder local. Ele
foi governo no plano nacional desde Juscelino Kubitschek [1902-1976],
praticamente, até agora. É uma capacidade de adaptação visando a manter o poder
local. Nós conseguimos romper esse pacto oligárquico, o pacto coronelista
clássico que está no livro de Victor Nunes. Colocando em primeiro plano a ideia
de que o nosso Estado vivia uma assimetria muito profunda entre as
potencialidades e a realidade social existente.

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva chegou a
conversar com o sr. sobre a razão pela qual era necessário para ele ficar junto
a José Sarney no Maranhão?

Não. Jamais houve essa conversa.

O sr. nunca perguntou?

Também não.

Por quê?

Porque eu imagino que a resposta seria em torno da temática da
governabilidade. Como disse no início, é algo que eu não concordo, mas
compreendo as razões de quem pensa assim. Estamos vendo as dificuldades que
este governo e qualquer governo enfrentaria num Congresso [Nacional]
extremamente fragmentado. É difícil a formação de maiorias estáveis, que
garantam a implementação de políticas públicas, e isso faz com que haja
determinados pactos. Apenas penso que no caso do Maranhão o preço imposto era
muito alto, a perpetuação desse sistema injusto que lá estava.

Lula e o PT poderiam ter sido um pouco mais arrojados em 2010 e avançado
no Maranhão?

Em 2010 talvez fosse um pouco mais complicado, porque o candidato que
enfrentava a filha do senador José Sarney, que era eu próprio, estava muito
distante nas pesquisas. Ela de fato liderava com 30 ou 40 pontos de vantagem.
Em 2014 a situação era diametralmente oposta. Eu comecei a campanha liderando
com 30 pontos e terminei liderando por 30 pontos.

O sr. acabou vencendo no primeiro turno 64% dos votos válidos no
primeiro turno?

Isso. E essa maioria já estava desenhada desde o começo. Então esse
elemento da viabilidade eleitoral deveria ter sido analisado, penso eu.

Faltou arrojo à direção do PT nessa hora?

As desigualdades regionais do Brasil explicam muita coisa. Quem olha o
país de outro ponto do território nacional talvez tenha certa dificuldade de
compreender os processos em todo o país. Acho que faltou essa compressão mais
clara do que estava acontecendo no Maranhão. Porém, o mais importante, é que
nós conseguimos fazer esta aliança, vencemos, a presidenta Dilma [Rousseff] foi
eleita. O que nós queremos é que a presidenta Dilma, o governo federal, ajude o
Maranhão. E espero que a bancada do PT no Congresso, onde tenho muitos amigos,
também me ajude nesse processo.

O sr. fez campanha para Aécio Neves, do PSDB?

Não fiz porque havia um compromisso, que eu chamava de condomínio entre
partidos que apoiavam a Dilma, o Aécio e o Eduardo Campos [PSB, 1965-2014]. E
nesse compromisso eu manteria uma posição de imparcialidade. Exatamente para
ser o fiador desse grande compromisso entre forças políticas diversas reunidas
no plano nacional.

E no segundo turno, como foi?

Eu mantive exatamente o compromisso que havia com essas forças.

De neutralidade?

De neutralidade. Até, naturalmente, o momento do voto. Porque no momento
do voto, indagado em quem votei, declarei que segui a orientação do meu
partido, voto na presidenta Dilma.

No primeiro turno, o sr. votou em quem?

No primeiro turno é secreto o voto [risos]. No segundo turno eu votei na
presidenta Dilma.

Já que estamos falando de voto… A [emissora] afiliada da TV Globo no
Amapá, de maneira até inadvertida, registrou o momento em que o senador José
Sarney digitou seu voto na urna eletrônica. A gravação é íntegra e ele votou em
Aécio Neves no segundo turno para presidente. Embora, em público, José Sarney
declarasse o apoio a Dilma Rousseff. O que o sr. acha que essa atitude de José
Sarney revela?

Revela uma pessoa que não aceitou a derrota no Maranhão.

Mas o candidato dele venceu no Amapá.

Mas a disputa principal para ele era no Maranhão. E eles fazem uma
análise segundo a qual uma das principais responsáveis pela derrota do Maranhão
foi a presidenta Dilma. Eles verbalizam isso no âmbito do próprio grupo e às
vezes publicamente dão a entender. O próprio candidato [Edison Lobão Filho, do
PMDB], que foi o meu adversário, disse isso expressamente, que faltou apoio da
presidenta Dilma. Eu interpretei esse gesto [do voto em Aécio] realmente
impressionante, espantoso, eu não esperava isto, como uma espécie de retaliação
íntima, pessoal, a isso que ele atribui à falta de apoio da presidenta Dilma.


No Maranhão?

Na medida em que ela não se envolveu de nenhum modo na campanha. Ela não
participou. Ela manteve em relação à disputa do governo de Estado uma posição
de neutralidade. Ela não interveio nem num sentido, nem noutro. E acho que isso
explica a atitude pessoal do senador José Sarney. Não aceitar a derrota, não
identificar as razões da derrota em si mesmo e sim procurar atribuir a alguém,
e esse alguém acabou sendo a presidenta Dilma.

Passada já mais de uma semana da eleição, o sr. teve a oportunidade de
telefonar para a presidente Dilma? Ou recebeu um telefonema dela, cumprimentando-o
pela eleição?

Ainda não. Estamos aguardando uma agenda para fazer isso formalmente,
pessoalmente. E tenho certeza que a presidenta Dilma vai ajudar muito o
Maranhão.

Veículos de imprensa no Maranhão têm veiculado notícias, ainda não
confirmadas, de que a governadora Roseana Sarney planejaria se mudar para os
Estados Unidos para supostamente evitar um processo relacionado à Operação Lava
Jato. Ela, evidentemente, nega qualquer envolvimento. O sr. acha que tem chance
de acontecer algo assim?

Eu não sei exatamente o que ela vai fazer. Há esse comentário. O certo é
que a nação espera o desdobramento da Operação Lava Jato. Eu acho inclusive que
a permanência desse sigilo que existe até hoje é nocivo aos interesses do país,
porque se presta a todo tipo de manipulação, de intriga, de especulação. O
Poder Judiciário do Brasil ajudaria muito a política a abrir, finalmente, o que
é exatamente o conteúdo da Operação Lava Jato, uma vez que os principais
depoimentos já foram tomados e a natureza dos crimes não permite que as provas
sejam eliminadas. Crimes financeiros, crimes de corrupção, normalmente deixam
rastros documentais. Siga o dinheiro, é o mandamento número um nesse tipo de investigação.
Seria muito útil para o atual Congresso Nacional e para o próximo que fique
claro ao fim, até para que eu possa responder mais precisão a uma questão desse
tipo. Qual será o destino da governadora Roseana Sarney? Acho que depende muito
do que existe na Operação Lava Jato.

O sr. acha que há alguma conexão da Operação Lava Jato com a política do
Maranhão?

O [doleiro] Alberto Youssef foi preso em São Luís. Foi preso no
Maranhão, num hotel de lá, e a contadora dele revelou que havia reuniões com integrantes
do governo em torno da negociação de um precatório que, ao fim, o Tribunal de
Justiça declarou que não existe. O governo do Estado pagou, e ainda está
pagando, por um precatório que sequer está formalmente no Tribunal de Justiça.
Isso é um indício eloquente acerca de necessidade de prosseguir com essas
investigações e esclarecer a conexão entre a governadora Roseana Sarney e o seu
governo e um cidadão que foi preso em São Luís, exatamente mantendo reuniões
com pessoas do governo.

Quais serão as suas duas ou três principais medidas ao assumir o governo
do Maranhão a partir de 1º.jan.2015?

Em primeiro lugar, firmar o primado da transparência. Criarmos uma
Secretaria da Transparência e Controle, aperfeiçoar o Portal da Transparência,
garantir o pleno cumprimento da Lei de Acesso à Informação. São medidas
práticas que demonstram o nosso total compromisso com as ações preventivas em
relação ao mau uso do dinheiro público. Vamos executar o Orçamento que está
sendo debatido na Assembleia com a visão de que nós precisamos melhorar a vida
do povo do Maranhão. Temos um conjunto de políticas sociais que serão
prioritárias.

Cito um exemplo: a política habitacional. Temos um déficit habitacional
no Maranhão de 450 mil moradias. Água na casa das pessoas. O Maranhão é cortado
por rios perenes, mas tem um problema de abastecimento de água crônico. Eu
diria que muito mais impressionante do que a situação de São Paulo, com o
sistema Cantareira. Essa situação aguda vivida agora em São Paulo, nós vivemos
isso há décadas, de escassez de água, de negação de fornecimento, de
racionamento. Em primeiro lugar, superação da quadra de corrupção, tirar o
Maranhão das páginas policiais, e em segundo lugar garantir esse conjunto de
políticas sociais e políticas públicas.

É necessário fazer alguma auditoria nas contas públicas de anos recentes
para ver o que aconteceu?

Nós não vamos fazer isso de modo amplo, de modo irrestrito.

Não haverá uma devassa?

Não. Não porque acho que é desnecessário. Haverá o cumprimento da lei.
Na medida em que os secretários encontrarem situações atípicas, com indícios de
irregularidades ou de superfaturamento, ou de não execução de contratos. A
orientação é cumprir a lei, apenas isso.

Se você, autoridade pública, se depara com uma situação em que há indício
de irregularidade, deve enviar para os sistemas de controle interno. E o
controle interno vai fazer a apuração e, se for o caso, acionar o Ministério
Público. Mas não de modo que pareça uma Santa Inquisição. Não nos cabe isto.

Pretendemos fazer com que o governo funcione bem desde o primeiro dia, e
para isso a máquina pública será orientada a olhar para o futuro. Sem proteger
irregularidades do passado.

Recentemente o Estado do Maranhão virou notícia internacional por conta
da situação do presídio de Pedrinhas, onde foram registrados dezenas de casos
de violência, inclusive com decapitação de presos. O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) concluiu que o governo era incapaz de conter essa violência. Como
o sr., que já foi juiz e integrou o CNJ, pretende resolver isso?

Precisamos, em primeiro lugar, recuperar a autoridade sobre o sistema
[penitenciário]. Hoje quem controla o sistema são dois grupos organizados de
criminosos. Controlam o crescimento da criminalidade intramuros e também fora
dos muros de Pedrinhas. Hoje temos praticamente três assassinatos por dia na
região metropolitana de São Luís, muito em razão do crescimento do tráfico de
drogas, do crack. Precisamos enfrentar essa situação dentro das penitenciárias,
reafirmando a autoridade pública e o cumprimento da lei. Ao mesmo tempo,
melhorar as condições de segurança fora da penitenciária. Vamos encaminhar duas
questões. A primeira é a governança do sistema. Há um modelo que nos agrada
muito, o APAC [Associação de Proteção e Assistência aos Condenados], no qual há
uma participação ativa de organismos da comunidade na gestão do presídio. Ou
seja, a gestão do presídio não é somente estatal, ela é pública no sentido mais
amplo da palavra. Você tem o governo e outros autores da sociedade que possam
ajudar na gestão do sistema. E depois, concluir a implantação de novas
estruturas físicas, de modo a descentralizar a execução penal, que é o nosso
principal objetivo. A execução penal hoje é basicamente centralizada em São
Luís e essa é uma das razões pelas quais aconteceram tantos problemas.

Quantas vagas em presídios são necessárias hoje no Maranhão?

Em Pedrinhas temos 2.200 presos para 1.700 vagas, então temos um déficit
de 500. Há, naturalmente, muitos presos provisórios em delegacias ainda. Nós
temos um déficit que não é dramático, mas deve ser enfrentado até para
humanizar o cumprimento da execução penal.

O sr. mencionou o número de homicídios que ocorrem na região
metropolitana de São Luís e falou sobre o tráfico de drogas. O sr. tem posição
formada a respeito de como deve ser a política antidrogas no país e se é
necessário que o Brasil discuta a possibilidade de vir a descriminalizar as
drogas?

Sou a favor de todos os debates na sociedade. Minha posição pessoal é
contrária à descriminalização. Acho que isso ajuda pouco e cria outros tipos de
complicações acerca do modo de como esse mercado iria se estruturar. Sou contra
a descriminalização, sou a favor de um combate duro ao tráfico. E os
dependentes químicos devem ser compreendidos como uma questão de saúde e da
sociedade. Sou absolutamente contra o encarceramento dos dependentes, dos
usuários, porque isso na verdade acaba resultando em novos ciclos de
criminalidade.

Os juízes podem em alguns casos dar pena alternativa, mas muitas vezes
não dão e encarceram pessoas por causa de pequenas quantidades de droga.
Precisa mudar a lei?

Não precisa mudar a lei, precisa mudar a cultura do Judiciário. E no
processo vem mudando. Os marcos legais são adequados hoje, procuram diferenciar
o que é a situação do traficante, que é exatamente um mercador da morte, da
situação do usuário dependente, que é uma vítima de problemas sociais, de
problemas familiares, e que acaba sendo o elo mais frágil de um comércio. Não
deve ser punido porque já é frágil em si. Dadas as condições do sistema
penitenciário é claro que é um enorme equívoco encarcerar essas pessoas.

As tuas indagações e as minhas respostas mostram que o debate é
importante. Acho que é essa uma questão profunda para qual nós precisamos fazer
um grande pacto político no país.

Nós temos a sexta eleição presidencial seguida em que PT e PSDB
polarizaram no plano nacional. Se essa polaridade continuar nos termos em que
foi posta no segundo turno, teremos muita dificuldade de avançar em temas como
esse ou da chamada reforma política. É premissa hoje para o bom funcionamento
da democracia no Brasil uma mesa bipartidária entre o PT e o PSDB.

Esse seria um grande passo para a democracia no país. Que os dois
partidos compreendessem as suas responsabilidades e buscassem algum tipo de entendimento.
São os partidos mais representativos, que lideram as correntes mais expressivas
de opinião na sociedade, e não têm o direito de paralisar o processo decisório
no país em torno de questão tão agudas e tão graves como essas que nós estamos
tratando.

O primeiro passo para haver uma reforma política é o PT e o PSDB
abandonarem a ideia de um terceiro turno e fazerem algum tipo de entendimento
como o PP e o PSOE fizeram na Espanha algum tempo atrás.

Pacto de Moncloa aqui vai demorar… Vamos esperar sentados.

Não, é necessário, porque como nós vamos lidar com uma Câmara com 28
partidos? Com muita dificuldade de formação de maiorias, tanto na Câmara quanto
no Senado? Como nós vamos avançar nisto? E a principal vítima dessa polarização
é a população.

Vamos falar sobre isso, mas antes faço mais uma pergunta sobre o
Maranhão. O Maranhão tem o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
do país. O sr. vai conseguir em quatro anos entregar o Maranhão numa posição
melhor no IDH? Como e em que posição?

Vamos entregar um Maranhão melhor em 2018, que não estará nos últimos
lugares no IDH.

Não vai mais estar nessa posição?

Não estará. Garanto que não estará.

Isso é uma promessa?

Mais do que uma promessa, é um compromisso de vida. Tenho convicção que
isso é possível.

O Maranhão tem condições, pela sua população, pelas suas riquezas e
potencial, de estar em qual posição no IDH das 27 unidades da Federação?

O Maranhão tem o 16º PIB do país. Acho que essa é uma referência que nós
devemos perseguir.

Deveria ser pelo menos o 16º IDH?

É uma referência. Não dá para compreender como o Estado que tem o 16º
maior PIB do país e tantas potencialidades tem ao mesmo tempo uma situação
social tão negativa.

A resposta para este fosso está exatamente na política. Como a política
concentrou riqueza pela via do patrimonialismo e da corrupção, essa riqueza não
chegou até a casa das pessoas. Na medida em que você enfrenta isso, consegue
melhorar a renda da sociedade, os indicadores educacionais. O Maranhão vai
subir no IDH, tenho absoluta certeza. Em que medida? Depende dos outros Estados
também, da situação nacional, do crescimento da economia brasileira.

Não posso aqui fazer um acordo completo sobre em que posição o Maranhão
estará. O que eu posso afirmar é que estará em uma posição bem melhor do que a
que tem atualmente.

A Câmara dos Deputados terá 28 partidos representados a partir de 2015.
O que tem que ser feito?

Primeiro precisamos desobstruir o diálogo entre as duas principais
forças políticas o país. Se o PT e o PSDB conseguirem fazer algum tipo de
acordo de procedimento, nós vamos avançar na sonhada, anunciada e debatida
reforma política.

Mas esse acordo PT-PSDB é falado há muitos anos. Acreditar que vai
ocorrer no médio prazo é ingenuidade?

É otimista. Uma visão otimista, cristã, segundo a qual as pessoas se
convertem, se aprimoram. Acho que devemos defender isso com muita ênfase,
independentemente das dificuldades. Sem isso, vamos passar mais quatro anos
discutido reforma política e vamos avançar pouco a não ser por dois eventos.

O primeiro, Operação Lava Jato. Dependendo do desdobramento da operação
Lava Jato, se o Congresso não fizer reforma política a polícia a fará. A
Operação Lava Jato vai fazer grande parte da reforma política porque no seu núcleo
está a delicada questão do financiamento de campanha.

Imbricada a essa questão, há o julgamento no Supremo Tribunal Federal
que deve, provavelmente, por fim ao financiamento empresarial.

Esses dois eventos somados vão acabar por fazer a agenda. O que defendo,
para além desses fatos objetivos que ocorrerão, é que haja por parte dos atores
políticos um passo.

Ninguém pode imaginar que algo vai transitar no Congresso Nacional e na
sociedade sem haver um entendimento PT-PSDB. Parece-me mais factível crer nisso
do que acreditar que um dos lados vai conseguir unilateralmente impor a sua
visão.

Se houver uma cláusula de desempenho ou de barreira, pequenos partidos
podem ficar fora do Congresso. Mas aí saem os chamados partidos de aluguel e os
considerados ideológicos. Como resolver?

A cláusula de barreira é um debate necessário desde que você observe
parâmetros de representatividade adequados a um país como o Brasil. Nós não
somos Alemanha ou Suécia.

Nós precisamos garantir o coeficiente de representatividade que seria
distinto daquele que foi estabelecido originariamente, de 5% [dos votos
nacionais para deputado federal], que é um parâmetro realmente elevadíssimo.
Levou inclusive que o Supremo declarasse inconstitucional.

Precisamos também, além da cláusula de barreira, fazer outros debates.
Defendemos as chamadas federações partidárias. São coligações mais permanentes,
programáticas, que garantiriam uma reorganização a partir de diálogo entre as
forças políticas.

No momento em que você tiver a reorganização do quadro partidário com as
federações, nós teremos um caminho democrático para garantir que o parlamento
funcione bem, como nós gostaríamos e desejamos que funcione, preservando a
organização dos partidos.

A coligação para eleições proporcionais é uma regra boa ou ruim?

No atual momento do país, é uma necessidade. Exatamente porque nós temos
uma fragmentação de partidos e as coligações permitem que esses partidos possam
eleger representantes. No momento que nós tivermos as federações partidárias,
creio que naturalmente as coligações perdem a sua funcionalidade.

O PC do B diminuiu de tamanho na Câmara. De 15 deputados hoje vai cair
para 10 em 2015. Por que isso aconteceu?

Houve uma redução de bancadas de praticamente todos os partidos,
exatamente porque aumentou a fragmentação. A nossa principal hipótese de
reflexão hoje é esta. O próprio PT diminuiu também a sua bancada.

Como vai ser a relação do PC do B no segundo mandato da presidente Dilma
com o Palácio do Planalto e como será a relação do seu governo com o governo
federal?

Nosso governo, claro, vai precisar muito do governo federal como todos
os governos estaduais precisam. Tenho a expectativa que o nosso governo vai ser
muito bem tratado. O PC do B é um partido que desde 1989 apoia o PT e é claro
que a nossa expectativa é que esteja bem representado no governo federal e
continue a ajudar, como nós já ajudamos em tantos órgãos e tarefas públicas que
nos foram confiadas ao longo desses 12 anos.

O PC do B deve ter uma presença na Esplanada dos Ministérios em 2015?

Sim, nós desejamos isto.

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que é filiado ao PC do B, é
candidato a uma vaga no Tribunal de Contas da União, o TCU?

O ministro Aldo Rebelo disputou essa indicação na última vaga que abriu…

Agora vai abrir outra…

…Então tem legitimidade para eventualmente pleitear novamente. Além
disso, é uma pessoa que usufrui de grande prestígio no Congresso Nacional pelas
várias funções que exerceu, de presidente da Câmara, ministro do governo, de
Relações Institucionais, ministro do Esporte. Sempre se saiu muito bem.
Parlamentar experiente, uma pessoa de grande conhecimento sobre o Brasil.

Não sei exatamente do apetite, do desejo individual dele. Mas é certo
que é um pleito legítimo. Em havendo a chancela da presidenta Dilma, do
Congresso Nacional, tenho certeza que será um grande ministro do TCU.

Nesta semana deve ser colocado em votação um projeto de lei que já foi
aprovado pela Câmara, que trata do indexador que corrige a dívida de municípios
e dos Estados em relação à União. O sr. tem posição a respeito desse projeto de
lei?

Não conheço particularmente esse projeto de lei, mas sou e sempre fui a
favor do redesenho do pacto federativo.

Qual é a dívida do Maranhão hoje e quanto o Estado faz de pagamento
mensal?

Nós temos a previsão, em 2015, de R$ 2 bilhões comprometidos com
encargos da dívida do nosso Estado, para um Orçamento de R$ 16 bilhões. Então
estamos falando aí de algo em torno de 13% ou 14% do nosso Orçamento.

E a expectativa é que seja possível reduzir isso?

Em um Estado com todas as carências como o Maranhão, um Estado que
precisa ampliar os investimentos públicos, inclusive para atrair investimentos
privados, evidentemente que qualquer sobra fiscal é muito bem-vinda.

 

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