Mais uma vez São
Luís dá mostras de que anda na contramão do que acontece no Brasil dos últimos
anos. A capital do Estado do Maranhão se tornou uma cidade com mais de 1 milhão
de habitantes mas ainda está longe de poder ser considerada uma metrópole. Os
diversos problemas estruturais da cidade vêm se acumulando e ameaçam deixar a cidade
em colapso urbano em plena comemorações dos 400 anos de fundação. É preciso dizer que a cidade ainda sofre um crônico problema de
abastecimento de água potável à seus cidadãos. É importante deixar claro que os
dois maiores responsáveis pelo acúmulo de problemas da cidade chamam-se Tadeu
Palácio (ex-PDT, hoje PP) e João Castelo (PSDB), respectivamente ex-prefeito e
prefeito da cidade, além do grupo Sarney que “comanda” o Estado há quase meio
século.
Tadeu Palácio
governou a cidade por 8 anos quando os problemas estruturais de trânsito, por
exemplo, começavam à incomodar e poderiam ter sido amenizados ou resolvidos.
João Castelo está no último ano do mandato e simplesmente não fez nada de
significativo nestes 3 anos de (des)governo. Agora às vésperas das eleições
tenta “maquiar” os problemas estruturais de trânsito, por exemplo, aplicando
uma nova camada asfáltica e pintando meios-fios das principais avenidas. Como
se não bastasse, comete o impropério de prometer até outubro a entrega de linhas
do chamado Veículo Leve sobre Trilhos-VLT ligando o Centro ao São Cristóvão.
Haja cara de pau.
Para piorar a
lambança, agora entra em cena a teatral e esperada greve dos motoristas e
cobradores de ônibus, em um enredo que está ficando enfadonho, se não fosse
trágico, para os usuários do transporte coletivo da cidade, na sua grande
maioria humildes trabalhadores e trabalhadoras. O enredo é conhecido. A
categoria dos rodoviários faz uma greve de advertência e reivindica melhorias
salariais. Os donos de empresas de transporte coletivo respondem dizendo que
não podem dar aumento salarial devido ao saturamento da folha de gastos das
empresas e pela iminência da falência do sistema de transporte. O medo e a
chantagem pairam na cabeça dos acomodados usuários de transporte coletivo da
cidade com medo de não ir ao trabalho e ter o salário descontado ou mesmo
perder o emprego. A justiça do trabalho acompanha tudo e se arvora árbitra
legítima do litígio. O prefeito João Castelo observa tudo do alto das confortáveis
salas do palácio de La Ravardiere. Motoristas e cobradores decretam a greve. A
justiça decreta a circulação de uma percentagem de coletivos para evitar o caos
generalizado. Os dias passam. O impasse se acirra, a situação nas ruas fica
mais tensa. A polícia, como sempre, é eficiente e ágil quando se trata de
defender a propriedade dos poderosos. E a mágica e fantástica solução
encontrada por todos esses agentes em disputa é: aumentar a passagem dos
coletivos na cidade.
O conluio entre
Prefeitura, Justiça do Trabalho, motoristas e cobradores, e empresários dos
transportes só não tem a participação do povo trabalhador e usuário de
transporte coletivo da cidade de São Luís, que nunca é ouvido nas mesas de
negociação sobre as condições do seu constitucional direito de ir e vir com
dignidade. Aliás, a resposta que os usuários de transporte vêm dando ao caos
instalado no sistema de transporte urbano é mais caos, vide as recentes
manifestações nos terminais de integração da Cohama, Praia Grande e São Cristóvão.
E o resultado é que o usuário de transporte coletivo em São Luís sai duplamente
punido: primeira pela vergonhosa qualidade do sistema de transporte público da
capital e segundo pelo aumento da passagem que visa garantir: mais impostos
para a prefeitura, mais salário para os motoristas e cobradores e mais lucro
para os empresários do transporte. E assim seguem felizes políticos,
financiadores de campanha e burocratas do judiciário, enquanto a população
segue oprimida por um sistema vergonhoso de transporte.
A falta de espírito
público e a inanição da sociedade civil em reivindicar melhorias do sistema de
transporte público da capital é uma especificidade maranhense. Não que não
existam espertalhões e povo apático em outras cidades do Brasil, mas aqui essa
apatia e falta de compreensão do seu papel como cidadão assumem contornos
singulares, fruto dos anos de uma cultura política predatória e patrimonial,
sobretudo da classe política que é muito competente em desviar milhões para
seus negócios pessoais e incompetentes em prover, por exemplo, aulas regulares
para as crianças de São Luís. Em outras paragens temos uma situação, que não é
a ideal, mas que revela avanços do ponto de vista da gestão do sistema de
transporte público. Vejamos o caso de Fortaleza.
Em Fortaleza as
concessões estabelecem um sistema de remuneração das empresas por quilometro
rodado e não por passageiro transportado. Esse sistema permite que as tarifas
da cidade sejam uma das mais baratas do país considerando as distâncias
percorridas pelas linhas de ônibus. A passagem custa R$ 2,00. A meia passagem
de R$ 1,00 é ilimitada a qualquer estudante com carteira emitida pelas
entidades estudantis com base no cadastro das escolas. Nas escolas públicas e
nos casos de alunos do PROUNI a prefeitura paga a confecção das carteiras e os
alunos a recebem gratuitamente. Aos domingos há a tarifa social de R$1,40 para
todos com a meia passagem de R$ 0,70 para estudantes com a carteira. Existe
também a hora social em que, fora dos horários de pico o usuário do transporte
coletivo paga somente R$1,80 e a meia à R$0,90. A frota dos ônibus de Fortaleza
tem média de menos de 5 anos e a prefeitura está providenciando corredores
exclusivos nas principais avenidas da cidade. Além disso a cidade ainda contará
em breve o Veículo leve sobre trilho, obra que já está em andamento. Em
Fortaleza Liziane Lins (PT) está encerrando o seu segundo mandato e a se contar
pelas políticas de transporte público implantadas acredito que o povo de
Fortaleza vai querer continuar nesse rumo.
Enquanto o cenário
eleitoral que se avizinha em São Luís dá sinais de que o eleitor não terá
muitas boas escolhas a fazer nas eleições de outubro a cidade praticamente
agoniza com problemas estruturais em quase todas as áreas. Situação agravada
pelo explícito e asqueroso conluio entre detentores de mandatos públicos,
agentes do judiciário que sempre julgam em favor dos poderosos, empresários do
setor de transporte, e a mesquinhez dos interesses corporativistas da categoria
dos trabalhadores em transporte que não exitam em punir a população na busca
dos seus, legítimos, diga-se de passagem, direito à melhor remuneração. Nesse
enredo sombrio que precede as comemorações pelos tão propalados 400 anos da
cidade só quem se dá mal é o povo.
Bruno Rogens
Cientista Social,
professor de Sociologia e Ciência Política
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