Veja o que escreveram sobre o caso os
procuradores Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel e o ministro
Joaquim Barbosa. Veja ainda quem são os 38 réus, do que são acusados e o
que alegam em suas defesas
Na sua
peça acusatória,
o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza
classificou-o como a ação de uma “sofisticada quadrilha” destinada a
comprar apoio de partidos para o projeto político do PT e do
ex-presidente Lula. Na apresentação de
memorial
concluído na semana passada, o atual procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, chamou-o de “o mais atrevido e escandaloso esquema de
corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”.
Em sua defesa, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares diz que tudo não
passou de um acerto financeiro feito entre ele e o publicitário Marcos
Valério para a concessão de um empréstimo para saldar dívidas de
campanha do partido e de aliados. O ex-ministro da Casa Civil José
Dirceu vai mais além: segundo ele, o mensalão não existiu, trata-se de
uma invenção do presidente do PTB, Roberto Jefferson, motivada por
sentimentos de vingança.
Será entre as alegações da acusação e as da defesas, com as provas
anexadas, que os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal terão de
avaliar em que ponto está a verdade. O julgamento que começa amanhã (2),
e que deverá se estender por mais de um mês, talvez seja o mais
complexo de toda a história da Suprema Corte. A Ação Penal 470, que
trata do caso que Roberto Jefferson, delator e réu, chamou de
“mensalão”, tem 147 volumes, 173 apensos, 69 mil páginas. Serão julgados
38 réus,
dos quais dois – o ex-secretário de Comunicação do governo Luiz
Gushiken e Antônio Lamas, que era ligado ao PL (hoje PR) – foram
inocentados pelo Ministério Público. Na acusação inicial, os réus eram
40, mas um deles morreu, o ex-deputado do PP José Janene, e outro,
Sílvio Pereira, ex-secretário do PT, fez um acordo com a Justiça.
As acusações de vários crimes – como formação de quadrilha, lavagem
de dinheiro, corrupção ativa e passiva – pesam sobre os outros 36 réus.
Nomes como Roberto Jefferson, Delúbio, Dirceu, os publicitários Marcos
Valério e Duda Mendonça, entre outros.
Para ajudar o leitor a entender o que estará em julgamento, o
Congresso em Foco reuniu
os principais documentos já disponíveis sobre o caso, e faz um resumo
do que há contra cada um dos réus e o que eles alegam em sua defesa.
A acusação
No início das 136 páginas da peça acusatória, Antônio Fernando de
Souza inicia historiando que o início do caso remete à denúncia de
pagamento de propina ao ex-diretor da Empresa de Correios e Telégrafos
(ECT) Maurício Marinho. Indicado pelo PTB, Maurício Marinho foi flagrado
em um vídeo pedindo e recebendo propina. O flagrante acabou estampando a
capa da edição da revista Veja de 18 de maio de 2005, sob o título “O homem chave do PTB”.
“Acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público
estava focado, em um primeiro momento em dirigentes da ECT indicados
pelo PTB”, Roberto Jefferson, então deputado e já presidente do partido,
resolveu denunciar a existência de um esquema mais amplo, pelo qual
“parlamentares que compunham a chamada ‘base aliada’, recebiam
periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu
apoio ao governo federal, constituindo o que se denominou como
‘mensalão’”. Segundo Antônio Fernando, “todas as imputações feitas pelo
ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas”.
“O conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito
demonstra a existência de uma sofisticada organização criminosa,
dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para
a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção
ativa, gestão fraudulenta, além das mais variadas formas de fraude”,
conclui o ex-procurador-geral da República.
Setores de atuação
A acusação da Procuradoria-Geral da República foi aceita pelo Supremo
Tribunal Federal, que abriu a Ação Penal 470, transformando os acusados
em réus. O caso foi relatado pelo ministro Joaquim Barbosa. No
relatório que detalha a ação, ele repete o que foi narrado por Antônio
Fernando de Souza, e estabelece que a organização era dividida em
“setores de atuação”.
Havia o “grupo político”, formado pelo ex-ministro da Casa Civil José
Dirceu, pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, pelo ex-presidente do
partido José Genoino e pelo também dirigente petista Sílvio Pereira. A
função desse grupo era obter junto aos aliados o suporte político para o
projeto de poder do partido.
Para viabilizar tal “suporte político”, uniu-se o “grupo
operacional”, capitaneado por Marcos Valério. O publicitário mineiro
repetiu para o PT o que fizera para o PSDB em Minas Gerais,
“especialmente a partir do um esquema baseado em empréstimos feitos “em
troca de vantagens patrimoniais no governo federal”. Para garantir o
necessário suporte financeiro ao esquema imaginado, juntou-se o terceiro
grupo, o “financeiro”, formado pelos executivos do Banco Rural e do
BMG.
Memorial
O último documento que o
Congresso em Foco torna
disponível é o memorial feito pelo atual procurador-geral da República,
Roberto Gurgel. O memorial tem sete páginas de apresentação, e mais 338
páginas que resumem as peças de todo o processo, os depoimentos dos
réus e testemunhas, documentos do Banco Central, auditorias da
Controladoria Geral da União (CGU), documentos do governo dos Estados
Unidos que atestariam o crime de lavagem de dinheiro por parte do
publicitário Duda Mendonça (responsável pela campanha vitoria do
ex-presidente Lula em 2002) e perícias técnicas e contábeis. Ontem (31),
o ministro Joaquim Barbosa tornou o memorial disponível aos advogados
dos réus.
O
Congresso em Foco não
obteve a íntegra das sete páginas da apresentação, mas apenas das
outras 338 páginas que detalham o processo. Na apresentação, Gurgel
classifica o caso que ficou conhecido como “mensalão” como o mais
“atrevido esquema de corrupção” da história.
Nas demais 338 páginas, ele destaca trechos do processo. Aponta, por
exemplo, que exames contábeis feitas nas contas das empresas de Marcos
Valério apontam a existência de fraudes para tentar explicar o
empréstimo concedido ao PT. “O contador e os prepostos executaram
verdadeira engenharia contábil (…) criando a falsa ideia de que somente o
PT foi beneficiário dos recursos”. Documento do Banco Central
mencionado por Gurgel no memorial diz que “os empréstimos foram
concedidos sem qualquer embasamento técnico de crédito, sendo os valores
totalmente incompatíveis com a capacidade financeira” das empresas de
Marcos Valério envolvidas. Avalistas dos empréstimos, Genoino e Delúbio,
afirmam, ambos, em depoimento, não ter condições financeiras para
avalizar os valores emprestados, respectivamente R$ 19 e R$ 10 milhões.
Destaca ainda que a mulher e sócia de Marcos Valério, Renilda Maria
Santiago Fernandes de Souza, em depoimento à CPI dos Correios, afirmou
que José Dirceu sabia da existência dos empréstimos. “A única coisa que
ele me falou é que dr – na época, ministro – José Dirceu sabia dos
empréstimos”, disse ela. Na mesma CPI, perguntado sobre o depoimento de
sua mulher pelo então deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), Marcos Valério
respondeu: “Eu confirmo o depoimento de minha esposa”.
O procurador-geral da República ainda menciona de depoimento da
executiva do Banco Rural, Kática Rabelo, à CPI dos Correios, na qual ela
diz que Marcos Valério “era um facilitador para a interlocução do Banco
Rural junto a várias pessoas” para tratar de uma questão que era do
interesse do banco, a liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de
Pernambuco, do qual o Rural tinha uma participação de 22%. Na ocasião, o
então deputado Gustavo Fruet (na época no PSDB e hoje candidato pelo
PDT à prefeitura de Curitiba, com o apoio do PT), perguntou se ela
poderia nominar quem eram as tais “pessoas”. Kátia respondeu:
“Perfeitamente. Uma das pessoas com a qual nós tratamos desse assunto
foi o ministro José Dirceu”.
O memorial traz ainda relatos de retiradas de dinheiro em espécie no
Banco Rural em caixas ou “malas do tipo 007”. Não contém, porém, muitos
trechos de depoimentos nos quais os réus se defendam das acusações ou as
rebatam.
Colaboraram Fábio Góis e Mariana Haubert
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