Na esteira do caso Carolina Dieckman,
dois projetos diferentes – do tucano Eduardo Azeredo e do petista Paulo
Teixeira – tramitam no Congresso ao mesmo tempo com o mesmo objetivo:
definir limites e penas para os cibercrimes
Aprovado na semana passada, o projeto de Paulo Teixeira sobre crimes na internet ultrapassou o de Eduardo Azeredo na tramitação
O Brasil não tem ainda uma legislação específica para punir crimes
cometidos na internet, mas poderá ter duas distintas com uma diferença
de semanas. A disputa política e de egos entre parlamentares do PSDB e
do PT faz agora com que duas propostas diferentes sobre o mesmo tema – a
punição dos cibercrimes – tramitem ao mesmo tempo no Congresso. A
peleja ganhou ares de corrida, com uma disputa inusitada: ganha quem
chegar por último. O projeto que for aprovado depois revogará pontos do
primeiro. O problema é que a diferença entre uma coisa e outra, caso os
dois projetos sigam o mesmo ritmo em que estão agora, pode ser de apenas
uma ou duas semanas. Assim, poderemos ter uma lei passível de ser
modificada por outra mais recente, posta em vigência dias depois da
primeira.
O
Projeto de Lei 84/1999, de autoria do deputado Eduardo Azeredo
(PSDB-MG) largou bem na frente, em 1999. Mas, criticado por ser rigoroso
demais, foi ultrapassado na semana passada pelo Projeto de Lei
2793/2011, apresentado no ano passado pelo deputado Paulo Teixeira
(PT-SP) e subscrito por outros cinco deputados. No calor do caso da
atriz Carolina Dieckman, que teve fotos suas nua indevidamente
publicadas na internet, o projeto foi aprovado na semana passada a toque
de caixa, sem discussão prévia em comissões.
A aprovação gerou reações de Azeredo. E agora, sob condições que
desfiguram o texto original, seu projeto foi colocado em regime de
urgência e aprovado pela Comissão de Tecnologia e Informática da Câmara
na última quarta-feira (23), e aguarda a apreciação na Comissão de
Constituição e Justiça (já há relatório aprovado em 2008 sobre a
proposição na Comissão de Segurança Pública, de autoria do ex-deputado
Régis Oliveira, PSC-SP). Ainda não há data para deliberação da matéria,
que deve ser levada ao plenário o mais rápido possível por estar em
tramitação sob regime de urgência.
Assim, com a diferença de dias, dois projetos punindo cibercrimes
brigarão para ver qual será sancionado em segundo lugar pela presidenta
Dilma Rousseff. Regimentalmente, um projeto não poderia ser apensado
(anexado) ao outro depois de ser aprovado em plenário e encaminhado para
outra Casa legislativa. Além disso, as diferenças políticas e
ideológicas entre os dois autores, assim como divergências quanto aos
termos da punição a cibercrimes, não permitiriam um acordo entre Azeredo
e Teixeira. Assim, a solução será a corrida ao contrário entre os
projetos.
Marco civil
Na opinião de alguns, tal disputa acontece porque se
colocou o carro na frente dos bois. Antes de aprovar um projeto
punitivo, o Congresso deveria ter dado prioridade a um outro texto, o
Projeto de Lei 2126/2011,
que estabelece o Marco Civil da Internet. Sem caráter punitivo, ele
define os “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da
internet”, como diz a sua ementa. Bem mais atrasado, o Marco Civil da
Internet segue em fase de audiências públicas na Câmara e em municípios
do país. Enquanto os deputados e seus projetos competem, o Brasil segue
como o quarto país do mundo em práticas criminosas na internet, e o
primeiro da América Latina.
“Eu acho que sempre o marco criminal deve estar subordinado ao marco
civil. Temos de ter um marco fundante, estruturante, que vai tratar da
essência do meio. O criminal vem para suprir aspectos”, disse ao Congresso em Foco a
deputada Luiza Erundina (PSB-SP), lamentando a pressa da base aliada na
Câmara em deliberar sobre o tema antes da legislação normativa. Uma das
signatárias do projeto aprovado em plenário (de Paulo Teixeira “e
outros”), a deputada acrescenta que “dá pra conviver” com os pontos do
projeto relatado por Eduardo Azeredo, presidente da Comissão de
Tecnologia e Informática.
Antes da aprovação do projeto de Paulo Teixeira, havia um acordo que
estabelecia a aprovação primeiro do Marco Civil para depois discutir a
legislação sobre punições. Assim, estabelecidos os princípios normativos
consensuais, estaria preparado o terreno para discutir a questão penal.
Mas o acordo foi descumprido, e provocou a inusitada situação de dois
projetos sobre o mesmo tema em plena tramitação, e em estágios
diferentes. Uma situação que irritou Azeredo.
Seu projeto tramita desde 1999, já passou pelo Senado, já sofreu
várias modificações e via-se agora prejudicado pela aprovação do novo
texto de Teixeira. O problema do projeto de Azeredo é que desde o início
ele sofreu duras críticas nas redes sociais, por ser rigoroso demais.
Chegou a ganhar o apelido de “AI-5 digital” e, por essa razão, foi
perdendo velocidade na tramitação.
A corrida continua
Uma vez aprovado o texto de Azeredo, ele não segue o
caminho do PL 2397. Volta a ultrapassar o projeto de Teixeira, já que
não precisa voltar mais ao Senado. Aprovado na Câmara, vai à sanção
presidencial. O que, na verdade, pode ser um ponto a mais a favor do
projeto de Teixeira. O departamento jurídico da Câmara informou ao Congresso em Foco que
as matérias tramitarão paralelamente, com efeitos legais que
privilegiam o projeto que for transformado em lei por último – ou seja,
mais recentemente. Assim, se o projeto de Teixeira vier a ser sancionado
depois do de Azeredo, vai prevalecer o que diz o projeto de Teixeira.
“O projeto do deputado Azeredo tem uma redação com a qual não
concordamos. Ela é muito ampla e, na sua amplitude, pode envolver
práticas que não queremos criminalizar. Por exemplo: se a indústria de
música quiser cobrar criminalmente o garoto que baixa música, o projeto
do Azeredo permite. Algumas práticas comuns na internet seriam
criminalizadas”, disse em entrevista ao Congresso em Foco o ex-líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira, um dos signatários do PL 2793.
“Houve muitos pedidos para que o projeto fosse votado; ele foi votado
por prioridade de inúmeros partidos.” Invasão de contas de e-mail,
transferência não autorizada de dados, roubo de senha e propagação de
vírus para sequestro de dados e espionagem, entre outros delitos, estão
entre os principais pontos do texto aprovado. Em resumo, o PL 2793/2011
pune com prisão toda e qualquer prática que, por meio do uso de
computadores, viole a privacidade, resulte em exposição não autorizada
ou cause dano material, financeiro ou moral a terceiros.
Insegurança digital
Baixar músicas em softwares especializados e reproduzir vírus
involuntariamente (por envio de e-mail, por exemplo), segundo o PL 2793,
não configura crime. Como o próprio Paulo Teixeira admite, o PL 2793
deve ser alterado no Senado. Mas há críticas também ao projeto de Paulo
Teixeira. Especialmente sobre o artigo 2º, que versa sobre “invasão de
dispositivo informático”. Para especialistas, o texto pode punir
profissionais de informática que desenvolvem ferramentas de segurança
para os computadores. Para desenvolver esses mecanismos, tais
profissionais estudam exatamente as fragilidades dos sistemas, e
experimentam formas de atacá-los.
“Com esse tipo de lei, você vai criminalizar o pessoal que desenvolve
o antivírus Norton, por exemplo”, explica o professor do Departamento
de Direito da Universidade de Brasília, Fernando Viegas, especialista em
legislação de internet. “São pessoas que não sabem nada da matéria e
ficam dando palpite”, criticou o professor, para quem propostas desse
tipo deveriam ser redigidas por uma comissão de especialistas.
Para o professor, tanto o PL 2793 quanto o projeto de Azeredo são
inadequados. “Todos os projetos pecam porque apresentam uma generalidade
muito forte. A questão da internet é muito complexa”, declarou o
acadêmico, criticando ainda o fato de o Congresso apressar a discussão
do tema devido ao vazamento de fotos íntimas de Carolina Dieckman. “Não
se pode aprovar uma lei por causa da imprensa. O erro começa aí. As
coisas têm que ter um tempo correto [de amadurecimento].”
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