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General “kid preto” planejou usar “visão Marcos do Val” para culpar Flávio Dino pelo 8/1

Por Plinio Teodoro – Revista Fórum – O relatório de 884 páginas em que a Polícia Federal (PF) detalha a atuação da Organização Criminosa (OrCrim) comandada por Jair Bolsonaro (PL) para dar um golpe de Estado traz algumas nuances que parecem ter sido retiradas das esquetes do Sargento Pincel, personagem cômico do ator Roberto Guilherme, que morreu em 2022 aos 84 anos, que ironizava a atuação dos “pintores de rodapé” militares no humorístico Os Trapalhões nos anos 1980.

A partir da página 741, quando a PF lista os materiais encontrados durante operação de busca e apreensão na casa do General “kid preto” Mario Fernandes, ex-ministro-adjunto da Secretaria-Geral da Presidência, os investigadores revelam anotações em um caderno preto da marca de luxo Mont Blanc para culpar o então ministro da Justiça, Flávio Dino, pelos atos golpistas que depredaram o Palácio do Planalto e os edifícios-sedes o Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

A parte cômica é que o general propunha usar a “visão Marcos do Val”, sobre o senador do Podemos do Espírito Santo, para atacar o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e creditar a Dino a culpa pelo quebra-quebra promovido pelos bolsonaristas incitados pela escumalha golpista.

“Nos materiais físicos apreendidos em poder de MARIO FERNANDES foram identificadas anotações que demonstram a atuação do investigado para criar narrativa com a finalidade de tentar atribuir ao então ministro da Justiça FLAVIO DINO a responsabilidade por omissão da tentativa de golpe de Estado realizada no dia 08 de janeiro de 2023, na cidade de Brasília/DF”, diz a PF.

Em seguida, a PF revela que no caderno haviam registros referentes aos atos golpistas do dia 8 de janeiro e à atuação de Dino no Ministério da Justiça, com “descrições de possíveis temas a serem abordados”.

“Em uma das páginas do caderno há a descrição denominada “Visão Marcos do Val ? MDV”, possivelmente relacionado ao Senador da República MARCOS DO VAL”, dizem os investigadores.

“Chama a atenção algumas anotações que evidenciam que o grupo criminoso, por meio do referido Senador, tinha a intenção de praticar atos para atacar o ministro ALEXANDRE DE MORAES. O documento ainda descreve a expressão “FD”, possivelmente fazendo referência ao então Ministro da Justiça FLÁVIO DINO e a letra “L”, como associada, possivelmente, ao presidente LULA”, segue a PF, mostrando imagens do caderninho da Mont Blanc de Fernandes.

Nas anotações, o general fala em “ações coordenadas com apoio em massa de parlamentares de Direita”, sinalizando a atuação do gabinete do ódio golpista junto à bancada neofacista eleita na esteira do bolsonarismo.

Sobre a “visão Marcos do Val”, o general “kid preto” afirma que nas teses tresloucadas, o senador bolsonarista diz que “Flávio Dino [identificado com as iniciais] já afirmou que se ele cair, ele levará o L”, em referência ao presidente Lula.

O general ainda antecipa que MDV, em referência a Do Val, “demonizará o AM”, em relação ao Alexandre de Moraes.

Ciente do processo relatada pelo ministro contra o senador – que “não prevarica”, segundo o militar -, Fernandes fala em usar Do Val “visando levar pressão sobre o AM”.

Fantasia da Swat

Figura caricata da extrema direita, Marcos do Val foi eleito ao senado se fantasiando de policial de elite norte-americano da SWAT e foi artífice de uma série de trapalhadas, incluindo um entrevista à revista Veja relatando que teria sido incumbido por Bolsonaro de se infiltrar em uma reunião no STF para “desmascarar” Alexandre de Moraes.

A trama, no entanto, se voltou contra o próprio senador, que é alvo de uma série de processos. Entre as ações, Do Val é investigado justamente por coordenar ataques a Flávio Dino.

Em fevereiro de 2023, Luiz Carlos Azenha, nesta Fórum, desmascarou a principal farsa de Do Val: a de que seria um soldado da Swat.

“Acredite quem quiser, Marcos do Val nunca foi policial, ainda que no seu avatar do twitter ele apareça abrindo a camisa, como se fosse um Clark Kent pronto a se transformar em Superhomem – só que em vez do S aparece escrito Swat”, diz Azenha.

Embora muitos dos seus votos tenham sido obtidos com a defesa da segurança pública, a experiência militar do senador foi apenas a de ter servido como soldado no 38° Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, na juventude.

Em sua biografia oficial, Marcos do Val diz que desenvolveu técnicas de imobilização a partir do aprendizado de aikido, no Japão, o que teria sido o embrião de sua empresa, o CATI (Centro Avançado em Técnicas de Imobilização), com base no Espírito Santo.

Em 2008, ele ganhou notoriedade ao aparecer no Fantástico, da TV Globo, como se fosse especialista em sequestros, criticando o comportamento da polícia paulista no caso Eloá, em que o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da polícia paulista tentou uma invasão desastrada do cativeiro que acabou na morte da refém.

Em 2015, no livro “Um brasileiro na SWAT”, de Ana Lígia Lira, o hoje senador apareceu em destaque na capa, vestido de preto e portando um fuzil. Sua imagem de guerreiro extraordinário, capaz até de treinar a polícia dos Estados Unidos, estava consolidada.

Ainda hoje, em seu perfil do twitter, o senador aparece numa montagem entre o símbolo da SWAT de Dallas, no Texas, e um blindado onde está escrito Dallas Police – ele veste uma camiseta escura onde também aparece o escudo da SWAT local.

No entanto, além de nunca ter sido policial, Marcos do Val ou o CATI nunca tiveram relação institucional com a polícia de Dallas.

Respondendo à Fórum, a cabo Melinda Gutierrez, assessora de relações públicas do Departamento de Polícia de Dallas, disse que “o senhor Do Val conduziu treinamento aqui nos Estados Unidos em conjunto com a Texas Tactical Peace Officers Association (TTPOA), não especificamente com o Departamento de Polícia de Dallas. Muitos anos atrás, tivemos oficiais da SWAT que viajaram ao Brasil em seu tempo livre, mas não como representantes oficiais da SWAT de Dallas”.

A TTPOA é uma espécie de clube de policiais, uma entidade que não faz parte do aparato de Estado no Texas.

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