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Eleitor vota “às cegas” no Brasil, diz juiz maranhense que ajudou a criar a Ficha Limpa

Da Folha

 

Sem saber
quem patrocina as campanhas de milhares de políticos, os brasileiros
votam “às cegas” e a democracia do país fica em risco por causa da falta
de transparência nas contas dos candidatos a cargos públicos.
O
autor dessa afirmação é o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei
da Ficha Limpa. Ele deu a declaração em entrevista do Poder e Política,
projeto da Folha e do UOL.
Ocultar doador de campanha prejudica o
eleitor, afirmou juiz que foi um dos idealizadores da Ficha Limpa. Ele
falou ao UOL e à Folha em 6 de setembro de 2012.
Para tentar
mitigar a situação, Reis iniciou um movimento em sua jurisdição no
interior do Maranhão exigindo dos candidatos locais informações
detalhadas nas prestações de contas parciais, oferecidas antes da
eleição.
Para evoluir mais, afirma o juiz, as entidades que
integram o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) podem
apresentar uma ação declaratória de inconstitucionalidade contra a lei
que permite aos políticos divulgar suas contas só depois de eleitos.
“Nós já temos uma Constituição da República que estabelece o princípio
da publicidade (…) Uma democracia não combina com obscuridade”,
declara.
A ação de Márlon Reis nas cidades maranhenses de João
Lisboa, Buritirama e Senador La Rocque inspirou o Tribunal Superior
Eleitoral a exigir de todos os mais de 400 mil candidatos a cargos
públicos neste ano a divulgação de nomes de doadores e de prestadores de
serviço antes da realização da eleição de 7 de outubro. O problema é
que a lei ainda permite aos políticos deixar a maior parte da prestação
de contas para depois do pleito.
Contra essa frouxidão da lei é
que Márlon Reis deseja ampliar a campanha do MCCE. Aos 42 anos, o filho
de funcionário público que nasceu em Tocantins e fez carreira no
Maranhão acha que pode fazer para a transparência das contas de campanha
o que já foi realizado para a aprovar a Lei da Ficha Limpa.
A seguir, trechos da entrevista concedida no último dia 6:
Folha/UOL – Os eleitores sabem o que está por trás das candidaturas antes de votar?
Márlon Reis – Nós estamos ainda longe de poder dizer que os eleitores
sabem o que está por trás das candidaturas antes de votar.
O que falta?
Eu acho que não é exagero dizer que o brasileiro vota às cegas.
Por quê?
Há fatores que são de uma gravidade impressionante. Ainda é possível a
realização de doações ocultas. Pessoas e empresas que querem doar e não
aparecer o fazem por meio de um partido político ou de um comitê
financeiro. Seu nome não é revelado [até] abril do ano seguinte às
eleições, quando tudo já está resolvido.
Os eleitores só ficam sabendo quem doou para os candidatos depois de o político já estar eleito?

…E empossado e já estar há alguns meses no mandato. Embora a Justiça
Eleitoral já esteja revelando nomes de doadores, que é uma grande
conquista de 2012, grande parte das doações reveladas provém de fontes
partidárias.

Ora, o candidato apresenta uma prestação de contas
dizendo que recebeu o dinheiro do partido político. Mas não diz de quem o
partido político recebeu. E aí é uma válvula, é um caminho pelo qual se
abre espaço para o que se chama de doação oculta.
É um fenômeno forte, especialmente nas grandes capitais. Uma democracia não combina com obscuridade.
A democracia brasileira fica em risco por causa disso?
Fica. É um requisito, inclusive é um elemento de avaliação da qualidade
de uma democracia, a identificação do nível de transparência. E quando
se peca na transparência num ponto tão fundamental que é o de conceder
ao titular do poder político, que é o cidadão, o volume de informações
mínimo para que ele exerça conscientemente a sua opção eleitoral, aí nós
estamos diante de um grave problema. Eu considero que se trata de uma
violação de direitos humanos.
No caso das doações diretas ao candidato já há transparência suficiente?
Já melhorou bastante. Até as eleições passadas, é incrível, somente
após a votação, e até 30 dias após a votação, era que o candidato estava
obrigado a revelar o nome dos doadores. Tarde demais.
Qual a sua decisão no Maranhão a respeito dessa prática?
Em maio, eu passei, como juiz eleitoral, a aplicar uma regra diferente.
Com base na Lei de Acesso à Informação, eu anunciei aos candidatos da
minha Zona Eleitoral que eles também teriam de apresentar os nomes dos
doadores. Fiquei feliz com a repercussão. O gesto foi seguido por vários
juízes eleitorais de outros Estados. Até chegar ao Tribunal Superior
Eleitoral, que no último dia 24 de agosto, por uma decisão da presidente
[do TSE], ministra Cármen Lúcia, resolveu adotar isso como padrão. Mas
ainda não é suficiente.
Por que não é suficiente?
Porque há apenas dois momentos para prestações de contas preliminares, que são 6 de agosto e 6 de setembro.
Um candidato então pode escamotear e apresentar contas preliminares
agora e só depois da eleição um relatório muito mais completo?
Pode e é justamente aí que reside a fragilidade. Então, um problema é o
das doações ocultas. O outro é o dessa reserva de tempo…
Como deveria ser?
Deveria ser em tempo real. Quem doa, o faz de forma a ser revelado isso
imediatamente. E os recursos tecnológicos há muito tempo permitem isso
de maneira fácil. Basta ser uma transação eletrônica com revelação
automática na internet.
Seria necessário alterar a lei?
Eu entendo que não. Nós já temos uma Constituição da República que estabelece o princípio da publicidade.
Mas a lei é frouxa e permite que se mantenha o formato atual. Alguém teria de arguir a inconstitucionalidade da regra?
Qualquer regra que limite o acesso de eleitores ao conhecimento
tempestivo, que impeça o eleitor de ter acesso a essa informação no
tempo mais importante, que é o momento que antecede o voto, essa regra é
flagrantemente inconstitucional.
Alguma entidade do Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral poderia entrar com uma ação no STF
requerendo a inconstitucionalidade da regra na Lei Eleitoral?
Poderia. Inclusive, o MCCE pautou esse tema entre as suas maiores
preocupações. Foi ele que levou ao conhecimento oficial do Tribunal
Superior Eleitoral o ato que nós baixamos lá em João Lisboa, a minha
Zona Eleitoral. E foi esse mesmo movimento que postulou perante não
apenas ao Tribunal Superior Eleitoral, como perante todas as
presidências de TREs [Tribunais Regionais Eleitorais], a observância da
Lei de Acesso à Informação.

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