A esta altura, mesmo a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, mostra-se
convencida de que unidades prisionais de seu estado se transformaram em antros
de barbárie, onde detentos para lá enviados pelo Poder Judiciário agem como
verdadeiros monstros em plena luz do dia.
Há dois dias, a mandatária ainda parecia disposta a negar, ou pelo menos
minimizar, as violações que têm ocorrido no Complexo Penitenciário de
Pedrinhas, em São Luís – com 1.700 vagas e 2.500 presos.
Por meio de nota, acusou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de escrever um
relatório contendo “inverdades” sobre o sistema carcerário
maranhense. O objetivo seria “agravar ainda mais a situação” nas
cadeias, a fim de “descredibilizar medidas” adotadas.
Agora a
governadora já não pode insistir na negação. Vídeo divulgado na terça por esta
Folha não deixa lugar para dúvidas – e evidencia, com força rara, o grau de desumanidade
a que ali se chegou.
A mera descrição das imagens basta para embrulhar o estômago. Assistir ao filme
na íntegra, gravado pelos detentos com a câmera de um celular, é tarefa para
poucos. Durante dois minutos e 32 segundos, três homens decapitados são
exibidos de perto; em volta, presos amotinados parecem se divertir com o
“documentário”.
Desde o ano passado, disputas entre facções criminosas resultaram na morte de
62 presos, e, segundo consta, inúmeros estupros de mulheres que visitavam os
presídios. Sem conhecer limites, o horror ganhou a região metropolitana de São
Luís em ataques incendiários a ônibus. Em um deles, uma menina de seis anos
teve 95% do corpo queimado e não resistiu.
Governado pelo clã Sarney há quase meio século (com um breve interregno de dois
anos), o Maranhão tem se destacado sobretudo pelos indicadores negativos. Sua
renda per capita média, de R$ 360, é a pior do Brasil; 96% de seus domicílios
não têm acesso adequado à rede de saneamento básico; mais de um quinto de sua
população com 15 anos ou mais não sabe ler ou escrever.
Não por acaso ganha adeptos a ideia de que o Estado deveria sofrer intervenção
federal, prevista na Constituição, entre outras hipóteses, a fim de garantir a
observância dos direitos humanos – dependendo, neste caso, de manifestação do
Supremo Tribunal Federal.
A medida é extrema, sem dúvida, e seus efeitos, duvidosos. Como recurso para
proteger a democracia, deve ser usada apenas quando o governo local não estiver
procurando interromper as violações, ou quando for absolutamente incompetente
para tanto.
Trata-se de análise subjetiva, mas que o governo de Roseana Sarney, ao tentar
negar o óbvio ou criticar quem revela a selvageria, torna cada vez mais
objetiva. (Editorial da Folha de S. Paulo, 08.01.14)
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