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2011: o ano em que o Congresso protegeu-se

A sessão que livrou de cassação a deputada Jaqueline Roriz é a imagem mais eloquente de um ano em que parlamentares preferiram salvar-se uns aos outros
deputada Jaqueline Roriz: simbolo de impunidade
 No dia 23 de novembro, o Conselho de Ética da Câmara tomou uma decisão que, isolada, parecia ser um grande avanço. Naquele dia, o colegiado de deputados interpretou que ações que caracterizem quebra de decoro cometidas antes do início do mandato podem levar à cassação. A medida seria das mais meritórias se, diante de um caso concreto, não tivesse vindo tarde e se não revelasse, então, uma contradição. Três meses antes, a mesma Câmara dos Deputados livrou de cassação a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF). E a alegação dos deputados era de que seu crime fora cometido antes do início do mandato.
Na sessão ocorrida no dia 30 de agosto, nada menos que 265 deputados disseram não à cassação de Jaqueline, contra 166 que disseram sim e 20 abstenções. Provavelmente, em nenhum julgamento por quebra de decoro ocorrido na história do Congresso, houve prova tão contundente da que foi produzida contra Jaqueline Roriz. Em um vídeo, gravado pelo ex-operador do mensalão comandado pelo ex-governador José Roberto Arruda (DEM) em Brasília, Jaqueline aparece claramente pegando dele uma bolada de dinheiro.
Por conta de imagens semelhantes, Arruda chegou a ser preso e teve de renunciar para não ser cassado. O mesmo aconteceu com outros beneficiários do mensalão de Brasília. Só não aconteceu com Jaqueline antes das eleições de 2010 porque – por razões que só mesmo Durval Barbosa, o ex-operador, delator e autor dos vídeos, pode explicar – o vídeo com Jaqueline, ao contrário do que aconteceu com os demais personagens, só foi aparecer depois que ela tinha sido eleita deputada federal. A clareza e a contundência das imagens, porém, eram as mesmas.
Corporativismo histórico
Para o cientista político Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB), a conduta da autoproteção não é novidade entre os congressistas. “O corporativismo existe no Congresso, não há dúvida nenhuma disso. E não estamos fazendo avaliação em cima de um caso apenas. Historicamente, já houve um conjunto de outras circunstâncias em que prevaleceu essa força no julgamento de outros parlamentares”, diz ele. Para Barreto, o caso de Jaqueline Roriz foi uma omissão grave. “Prevaleceu uma tese estapafúrdia de que atos anteriores ao mandato não deveriam interferir na permanência dela na Casa. O Congresso se acovardou perante essa questão”, avalia ele.
Os deputados perdoaram Jaqueline Roriz em quase que absoluto silêncio. Longe dos microfones, porém, muitos admitiam a razão. Julgaram que a condenação de Jaqueline abriria um precedente para outros casos de delitos cometidos antes do mandato. Exemplos chegaram a ser citados. Assim, numa clara manifestação de autoproteção, a filha do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz foi poupada.
Jaqueline Roriz não foi o único caso de deputado que se livrou de processo pela ação dos seus colegas. Sem fazer alarde, a Mesa da Câmara livrou o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) de responder a processo diante da acusação de racismo e homofobia. No primeiro semestre do ano, Bolsonaro participou do quadro “O Povo quer saber”, do programa humorístico CQC, da TV Bandeirantes. No programa, ele agrediu a cantora Preta Gil, que perguntou a ele o que ele faria caso seu filho namorasse uma mulher negra. “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”. Bolsonaro disse ter entendido que Preta lhe perguntava o que ele faria se um filho fosse homossexual.
Não foi a única confusão em que se meteu Bolsonaro durante o ano. Ele ainda teve uma grossa discussão com a ex-senadora Marinor Brito (que cede definitivamente seu lugar no Senado hoje (28) para Jader Barbalho) e, no final do ano, chegou num discurso a fazer insinuação de homossexualidade contra a presidenta Dilma Rousseff.
Para Leonardo Barreto, há aspectos defensáveis no caso de Bolsonaro. “No caso do Bolsonaro, alegou-se que havia ali uma preservação, digamos, da liberdade de expressão. É uma tese – e não estou dizendo que concordo ou não concordo [com o discurso do deputado] – que faz sentido. A priori, a imunidade parlamentar existe pra isso, pra permitir que ele fale exatamente o que ele queira falar, sem sofrer qualquer constrangimento. É um mecanismo de garantia de liberdades que existe em todo Parlamento livre do mundo.”
O deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) também foi outro a receber o perdão dos colegas. Valdemar era acusado pelo PPS e pelo Psol de envolvimento no esquema de fraudes no Ministério dos Transportes e de ter recebido propina na exploração da Feira da Madrugada, em São Paulo.  Por 14 votos a dois, os deputados do Conselho de Ética arquivaram no dia 19 de outubro o processo contra ele.
Caixinha é normal
As absolvições não foram a única demonstração de proteção mútua dada pelos parlamentares. No dia 2 de dezembro, o Congresso em Foco denunciou, com documentos, que o PSC obrigava seus funcionários a devolverem 5% dos seus salários para formar uma caixinha para o partido. A prática é normal em outros partidos com filiados, mas no PSC ela era exigida de qualquer um que tivesse um emprego por indicação partidária, filiado ou não. Tratava-se, assim, de um notório caso de exploração: o servidor submetia-se à exigência em troca do emprego. Nas palavras do deputado Chico Alencar (Psol-RJ), tratava-se de um caso de extorsão.
Mas o mais surpreendente foi a reação do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sobre o episódio. Para ele, não havia necessidade de qualquer investigação sobre o caso, porque o que o PSC fazia era normal. “Eles têm um acordo, um ajuste com os funcionários, com quem eles contratam, e o cara tem que contribuir com o partido”, disse Maia. O presidente da Câmara ainda acrescentou que nenhum partido entraria com representação para apurar o caso porque aquela era uma prática que “todo mundo faz”.
A naturalidade com que Marco Maia defendeu a caixinha do PSC mereceu comentários do cientista político Carlos Novaes numa edição do Jornal da Cultura, da TV Cultura, no dia 12 de dezembro. “Ele realmente acredita nisso [que é algo banal um partido político obrigar seus funcionários a pagar 5% de caixinha]. Ele acha que o partido é dono de uma fatia do Estado”.
“É possível que o próprio presidente da Câmara conheça outras práticas desse tipo, e talvez até dentro do próprio partido. Ele só não quis se comprometer”, emenda Leonardo Barreto. Para concluir, então: “É o famoso telhado de vidro.”

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