O filósofo Renato Janine Ribeiro, que sempre foi
ligado à esquerda, afirma que o PT perdeu a hegemonia e questiona se o partido
está também fadado a perder o poder. Leia abaixo:
Mas o PT aumentava seu prestígio. Um ano antes da eleição de Lula, era
hegemônico na cultura política brasileira. Sua defesa da decência na vida
pública, somada à proposta de justiça social, lhe davam o que Gramsci chama de
hegemonia. É claro que precisou mostrar-se realista, dando garantias aos
agentes econômicos; mas estava na posição de quem, mesmo perdendo, ganhava
moralmente. Pois ganhava nos espíritos, mesmo que perdesse na matéria. A longo
prazo, isso conta.
Lembro Al Gore: nos Estados Unidos, as causas sociais se impuseram quando se
tornaram éticas – a emancipação dos escravos, o fim da segregação racial. Foi o
que o PT fez com a inclusão social.
Hoje, vemos o movimento contrário. A ética deixou de ser o distintivo do PT.
Desde a crise do mensalão, em 2005, a oposição se apossou dela. A questão hoje
é: se perdeu a hegemonia, se perdeu o domínio das mentes e corações, estará o
PT fadado a perder, também, as eleições? Ou as vencerá em 2014, mas só
reforçando um descompasso entre a opinião e o voto? E por que perdeu este poder
espiritual que, quando lhe faltavam os poderes materiais (o político, o
econômico), parecia ser decididamente seu?
Há explicações para isso, mas não me importam aqui as que denunciam a ação dos
partidos de oposição (que, afinal, fizeram o que uma oposição faz: oposição) ou
a mídia. O que interessa é o que o PT fez para perder a hegemonia. Mas, antes,
um pouco sobre essa palavra.
Marx, embora descrevesse bem o funcionamento do capitalismo (não devemos
esquecer que seu maior livro se chama “O capital” – e não
“socialismo” ou “revolução”), nunca detalhou como se poria
fim a ele. Por vários acasos, esse papel coube a Lênin, líder de um partido
secundário num país atrasado, mas que foi onde se deu a revolução. Lênin
delegou a tarefa a um partido único, composto de revolucionários profissionais
e organizado em torno do segredo e da hierarquia (para ser exato, do
“centralismo democrático”: primeiro, um debate livre; depois, a
decisão em assembleia; depois disso, obediência estrita à decisão da maioria).
Foi o que funcionou nos países pobres, de Estado hipertrofiado e sociedade
atrofiada, em que o comunismo se impôs nas décadas que se seguiram a 1917.
Gramsci, comunista italiano, que passou seus últimos anos de vida nas cadeias
de Mussolini, propôs outra via. Em países de forte sociedade civil, a conquista
dos espíritos seria mais importante do que a vitória pelas armas. Essa ideia
singela mas forte inspirou uma forte renovação democrática na esquerda,
comunista ou não. Foi influente no Brasil. Ressalta o combate cultural,
ideológico, numa sociedade democrática. Explica como o PT foi crescendo.
Explica também como, em seus anos no governo, o PT se enfraqueceu. Pois hoje o
PT é quase só um partido de poder, ao contrário de seu passado; se perder o
poder federal, será uma pálida sombra do que já foi.
Exemplos não faltam. Depois da eleição de Lula, o PT teve dois presidentes com
ideias, José Genoino e Tarso Genro; foram os únicos a perder esse cargo. Os
dirigentes que estão no partido ou no Legislativo pesam menos do que quem está
no Executivo. Isso porque no governo, no mundo da assinatura, você faz
acontecer; já no Senado, na Câmara, no mundo da palavra, você não gera
resultados imediatos tangíveis. Um político ganha ao ir para um ministério;
mas, se ele for um líder, com isso perdem o partido e a opinião política. E
saíram de cena os intelectuais identificados ao PT – uns porque romperam com
ele, como Chico de Oliveira; outros, simplesmente, se calaram. O partido perdeu
líderes, adquiriu gestores. Hoje, o discurso de defesa do governo se concentra
na defesa dos programas – emergenciais – de inclusão social, como o Bolsa
Família e o ProUni. Aprovo-os, mas eles, se resolvem um passado odioso, não
desenham um futuro. O PT deixou de ser um partido de propostas, mesmo que estas
fossem utópicas.
Poderia ser diferente. A meu ver, no capítulo da moral o PT poderia enfatizar
que o grande escândalo ético brasileiro era, dez anos atrás, ter quase metade
da população nas classes D e E. Deveria insistir no caráter ético das políticas
contra a miséria e a própria pobreza. Não deixaria, então, o tema ético ser
tomado, como aconteceu, pela oposição – que coloca em segundo plano a miséria e
o que se fez contra ela, para se concentrar nas acusações de corrupção, que
atravessam nossa história desde a colônia com muita retórica e pouco resultado.
Mas não é esse o combate que o PT tem travado. Basta ver o bordão do terceiro
mandato petista – “País rico é país sem pobres”. Admiro essa
redefinição do que é riqueza, como o contrário do sonho de Miami. Mas poderia
ser “país digno”. Poderia ser “país ético”. A riqueza,
sobretudo quando medida em termos de consumo, consegue apoio somente a curto prazo
– um apoio que se esvai quando se esgota o consumo. Ética, dignidade, esperança
têm alcance mais longo.
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