Cerca de 60% das prestações entregues desde 2004 ainda não foram
julgadas e parte já prescreveu
por Eduardo Bresciani
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Presidente do TSE, ministro Dias Toffoli |
O Globo – Enquanto os recursos
públicos repassados aos partidos políticos por meio do Fundo Partidário crescem
de forma exponencial, a fiscalização de suas contas segue em marcha lenta. O
GLOBO analisou o andamento das prestações de contas dos dez maiores partidos
políticos desde 2004. Das 89 prestações entregues neste período, 60% não foram
julgadas, sendo que 13 delas não poderão mais gerar punições aos partidos
porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, no ano passado, considerar
prescritas todas as contas não julgadas em cinco anos.
Dos dez partidos, dois ainda não
tiveram as contas de 2009 — à beira da prescrição — analisadas: PT e PR. Os
processos estão na pauta do TSE para a próxima terça. Nenhuma conta apresentada
a partir de 2011 foi analisada pelo plenário do tribunal, e, das relativas a
2010, somente a do PRB foi a julgamento, tendo sido aprovada com ressalvas. O
partido terá de devolver R$ 2 mil. O prazo para entrega da prestação de contas
de 2014 acaba esta semana, assim como o prazo de julgamento das contas de 2009.
presidente Dilma Rousseff sancionou
semana passada, dentro do Orçamento de 2015, o aumento do repasse do Fundo
Partidário de R$ 319,9 milhões para R$ 867,5 milhões neste ano. Os dez partidos
que mais vão receber as verbas do Fundo são: PT, PSDB, PMDB, PP, PSB, PSD, PR,
PRB, DEM e PTB. O montante supera em mais de quatro vezes os R$ 198 milhões
repassados em 2004, em valores atualizados. O Fundo Partidário é dividido entre
as legendas de acordo com os votos recebidos pelos candidatos eleitos para a
Câmara.
A decisão de considerar prescritas as
contas que não forem julgadas em cinco anos, que afetou 13 prestações, foi
tomada em setembro de 2014. O presidente do TSE, Dias Toffoli, deu o voto
condutor da posição do plenário. A decisão já beneficiou sete dos dez maiores
partidos e, em alguns casos, as legendas se livraram de ter de fazer os
ressarcimentos milionários que eram recomendados por órgãos técnicos e pela
procuradoria-geral eleitoral.
O juiz Marlon Reis, do Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), afirma que o modelo de fiscalização das
contas partidárias é ineficiente:
— Falta aos tribunais estrutura,
inclusive de pessoal. A legislação não dá à Justiça Eleitoral característica de
órgão de controle. Além da longa tramitação, há a previsão de extinção de
julgamento, e muitas vezes esse é o caminho.
Reis defendeu ainda a necessidade de se
estabelecer sanções mais severas às inconsistências nas prestações de contas.
O PSDB, por exemplo, poderia ter sido
condenado a devolver R$ 1,9 milhão pelas contas de 2004, por não ter conseguido
convencer o TSE sobre a identificação dos doadores. Cinco ministros já tinham
votado nesse sentido em sessão de 2011, mas, diante do novo entendimento sobre
a prescrição, o partido se livrou da punição. A legenda ainda escapou da
análise das contas de 2007. Havia um parecer da área técnica e da procuradoria
pedindo o ressarcimento de R$ 1,7 milhão, também por falha na identificação dos
doadores.
O mesmo ocorreu com o PT. A legenda se
livrou da análise de um parecer técnico relativo às contas de 2008, que
recomendava a devolução de R$ 2,2 milhões, sendo mais da metade proveniente do
Fundo Partidário. Para a área técnica do tribunal, R$ 1,2 milhão deveria ser
devolvido por aplicação irregular de recursos do Fundo. Outro R$ 1 milhão
deveria ser ressarcido pelo fato de o partido não ter conseguido identificar os
doadores que declarou. O ministro Henrique Neves, porém, declarou as contas
prescritas em setembro do ano passado, dois dias depois de o TSE firmar a
jurisprudência sobre o assunto.
No caso do DEM, o parecer era pela
desaprovação das contas de 2005, com pena de ressarcimento de R$ 1,5 milhão.
Como o processo não foi concluído no prazo, o partido se livrou da análise do
mérito. Dos maiores partidos, também foram beneficiados pela prescrição PMDB,
PR, PRB e PTB. No caso do PMDB, não havia parecer conclusivo. Os outros três
partidos tinham contra si pareceres que recomendavam devolução de entre R$ 43
mil e R$ 130 mil.
Apesar das irregularidades descobertas
pelo tribunal, multas acima de R$ 1 milhão são exceções. As sanções em geral
têm valores inferiores a R$ 100 mil. Penalidades abaixo desse montante foram
aplicadas a seis partidos. Em um dos casos, o PSB pagou multa de apenas R$ 3,27
por problemas na identificação de doadores.
PROBLEMAS EM METADE
DAS CONTAS
Das contas que chegaram a ser julgadas,
quase metade foi rejeitada ou aprovada com ressalvas. Entre as irregularidades
está o uso do Fundo Partidário para a quitação de multas aplicadas à legenda, o
repasse de recursos a diretórios proibidos de recebê-los, e a falta de
justificativa para despesas. No caso do PTB, a conta de 2008 foi rejeitada com
a determinação de ressarcimento de R$ 1,4 milhão e a suspensão do Fundo
Partidário pela não comprovação de despesas.
Dos dez partidos analisados, apenas o
PP teve aprovadas sem ressalvas as seis contas analisadas. O PSD foi criado em
2011 e, até hoje, nenhuma conta do partido foi julgada.
O TSE afirmou, por meio de nota, que a
decisão de aplicar a prescrição aos processos após cinco anos foi tomada com
base em uma lei aprovada pelo Congresso em 2009. O tribunal diz que a resolução
“acabou com o sigilo bancário das contas partidárias e introduziu maior rigor e
transparência” e “será instrumento fundamental para alcançar uma melhor qualidade
nos julgamentos das referidas contas”.
A nota afirma que, sobre os processos
pendentes, “o TSE está empenhado em julgá-los com respeito ao processo legal e
ao contraditório”. Diz ainda que Dias Toffoli solicitou técnicos aos tribunais
de contas da União e do Distrito Federal para auxiliar na análise das contas.
UM ALÍVIO PARA AS
DÍVIDAS DE CAMPANHA
Orçado em R$ 867,5 milhões, o Fundo
Partidário de 2015 deverá ser um alívio para as dívidas acumuladas pelos
partidos nas últimas eleições. Desde o final de 2014, as legendas têm
enfrentado mais dificuldade para arrecadar recursos de empresas privadas devido
à Operação Lava-Jato, que pôs sob holofotes as doações de construtoras a
partidos.
Os três primeiros meses deste ano
também transcorreram com “torneiras secas”: sem a aprovação do Orçamento pelo
Congresso, os partidos estavam recebendo parcelas do Fundo Partidário muito
inferiores ao previsto. Agora, os tesoureiros dizem que poderão trabalhar com
mais folga no pagamento de despesas, já que o Fundo Partidário ficou três vezes
maior em relação a 2014.
O PSDB, segundo seu secretário-geral, o
ex-deputado baiano João Almeida, tem um déficit de R$ 14 milhões. No TSE, o
registro da dívida ultrapassa R$ 16,2 milhões. O PT, que registrou dívida de R$
4 milhões na campanha da presidente Dilma Rousseff, herdará parte das dívidas
contraídas pelas candidaturas estaduais, como as de São Paulo, Rio e Ceará,
onde os débitos superam R$ 35 milhões, R$ 15 milhões e R$ 11 milhões,
respectivamente.
— Estamos levando (as finanças),
distribuindo o que temos. Amortizamos como podemos e criamos um cronograma para
pagar as dívidas — disse Almeida.
DOADORES SÃO ALVO DA
LAVA-JATO
As contas do PSDB para 2014 já foram
aprovadas pela Executiva do partido e serão entregues no dia 30, com um débito
um pouco menor que os R$ 14 milhões já declarados na prestação de contas
eleitorais, no ano passado.
O próximo dia 30 é o prazo final para a
entrega das prestações de conta e será a data de entrega dos relatórios também
do PT, segundo informou o presidente da sigla, Rui Falcão. Os documentos estão
sendo concluídos pelo novo tesoureiro, Márcio Macêdo.
Oficialmente, os partidos tentam
minimizar o impacto da Lava-Jato sobre a arrecadação partidária. Nos
bastidores, a conversa é outra. Há, de um lado, o temor das empresas, mas
também uma preocupação das próprias siglas, que ainda não sabem como lidar com
doadores históricos, que são hoje alvos das investigações sobre distribuição de
propinas em contratos da Petrobras.
O DEM informou que deve receber este
ano R$ 36 milhões do Fundo Partidário e que não há dívidas de campanhas
absorvidas pelo Diretório Nacional. O tesoureiro do partido, Romero Azevedo,
informou que não prevê arrecadar dinheiro com empresas este ano. Ele disse não
ter sentido dificuldade em arrecadar com empresários durante as eleições. O
Diretório Nacional obteve, na época, R$ 53 milhões e registrou despesas no
mesmo valor.
(Colaborou Tatiana
Farah)
RESPOSTA DO TSE
Em resposta à reportagem do GLOBO, o
TSE informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que esse ano uma nova
resolução entrou em vigor para adequar a tramitação das prestações de contas,
dando maior rigor e transparência ao processo.
Confira abaixo a íntegra da nota:
“O TSE analisa e julga as contas
partidárias e eleitorais nos termos da legislação vigente e de suas Resoluções.
Em 2009 houve alteração legal (Lei 12.034/2009) que transformou a natureza das
prestações de contas. Antes elas tinham natureza administrativa e passaram a
ter natureza jurisdicional. E a prescrição passou a ser de 5 anos.
Trata-se de decisão do Congresso
Nacional.
O TSE em 2014 editou nova Resolução
para adequar a tramitação das prestações de contas para sua atual natureza
jurisdional. Até então estava em vigor Resolução anterior a alteração legal.
Esta nova Resolução dinamiza e
racionaliza a análise e os julgamentos das contas. Ela entrou em vigor a partir
de 2015 e passou a ser aplicada nos processos em andamento.
Tal resolução acabou com o sigilo
bancário das contas partidárias e introduziu maior rigor e transparência, o que
foi saudado por todos, inclusive pelo jornal O Globo.
Em relação aos estoques de prestação de
contas, o TSE está empenhada em julga-los com respeito ao devido processo legal
e ao contraditório. A nova Resolução, que passou a ser aplicada, será
instrumento fundamental para alcançar uma melhor qualidade nos julgamentos das
referidas contas.
Com o intuito de dar cabo ao estoque de
Prestações de Contas, o ministro Presidente Dias Toffoli, solicitou técnicos ao
TCU e TCDF, que estão auxiliando na análise das contas”.
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