Categorias influentes negociam reajuste em agosto, quando índice acumulado deve chegar a 7,4%, o maior desde 2003
Trajetória de ganhos iniciada em 2004 entra em choque com política anti-inflação conduzida pelo governo federal
GUSTAVO PATU
DE BRASÍLIA
Há apenas oito meses, os metalúrgicos do ABC paulista comemoravam o maior ganho de sua história de disputas salariais. O reajuste obtido, de 10,8%, significava um aumento do poder de compra de 6,3%.
Caso queiram -e possam- repetir o feito neste ano, os representantes da categoria terão de pleitear em quatro meses, quando voltarão às negociações com seus empregadores, aumento muito maior, acima de 14%.
Segundo as projeções mais consensuais do governo e do setor privado, a presente escalada da inflação atingirá seu pico justamente quando corporações mais numerosas e influentes no sindicalismo nacional estarão em campanha.
Se o 1º de maio é simbólico, o 1º de setembro é concreto para os trabalhadores do país. Trata-se da data-base de metalúrgicos, bancários e petroleiros, para citar apenas os mais importantes e referenciais para as demais categorias profissionais.
Neste ano, a continuidade da trajetória de ganhos salariais -iniciada em 2004 e com recorde em 2010- entrará em choque com a política anti-inflacionária da administração petista.
Em outras palavras, quanto maior for o sucesso das campanhas salariais, mais difícil será o esperado retorno dos índices de inflação aos patamares desejados a partir do fim deste ano.
Pelas estimativas de investidores e analistas de mercado pesquisadas pelo Banco Central, o INPC, índice que normalmente baliza negociações, e o IPCA, referência para metas oficiais, chegarão a 7,4% no período de 12 meses encerrado em agosto.
Se as previsões se confirmarem, será a maior taxa para o período desde 2003, no primeiro ano de mandato do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, quando a maior parte das negociações salariais foi incapaz de repor as perdas acumuladas.
Naquela época, a economia vivia estagnação decorrente de medidas tomadas para superar a crise financeira do ano anterior; agora, deixa-se para trás um período de superaceleração econômica, mas o freio é suave.
Não por acaso, a evolução dos salários é uma das preocupações centrais da política de controle da inflação, cujo objetivo é levar o IPCA à meta de 4,5% no próximo ano. Este já é dado como perdido.
“O dinamismo da atividade doméstica continuará a ser favorecido pelo vigor do mercado de trabalho, que se reflete em taxas de desemprego historicamente baixas e em substancial crescimento dos salários”, diz a ata da última reunião do Copom, o comitê do BC responsável pela fixação dos juros.
De acordo com o mesmo documento, um “risco importante” é a “concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade e suas repercussões negativas sobre a dinâmica da inflação”.
A LCA Consultores divulgou recentemente um estudo no qual estima as chances -ou riscos, do ponto de vista do BC- de reajustes salariais generosos nas próximas negociações salariais.
Segundo a consultoria, os ganhos obtidos pelos trabalhadores nos últimos meses indicam um mercado menos favorável que o de 2010.
“Essa certamente é uma boa notícia no que toca ao cenário prospectivo para a inflação, principalmente em relação aos temores de uma volta da indexação de preços e salários nos moldes daquela vivenciada no período de inflação crônica”, diz o texto.